O PENSADOR

O PENSADOR
RODIN

domingo, 21 de abril de 2024

AFORISMOS E REFLEXÕES BREVES XII


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É preferível estender o nosso conhecimento a um pouco de tudo, do que ter a veleidade de tudo saber de uma parte do todo. A especialização transforma o homem num asno estereotipado que apenas conhece o caminho para o moinho, transformando-o num invisual da sabedoria.


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Concordamos com Pascal quando diz: “Alguns autores, falando das suas obras dizem: “O meu livro, o meu comentário, a minha história, etc.”. Cheiram a burgueses com bens de raiz, e sempre com um “em minha casa” na boca. Fariam melhor em dizer: “O nosso livro, o nosso comentário, a nossa história, etc.”, visto que de ordinário há nisso mais mérito alheio do que próprio”.

Vamos mais longe. Mesmo quando queremos dizer “eu” deveríamos dizer “nós”.


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Os psiquiatras, “traficantes” de drogas lícitas, nas suas consultas apresentam-se-nos com uma serenidade imperturbável. Mais do que ciência médica, possuem o engenho e arte de esconder as suas neuroses e inquietude. Acautelai-vos pois, não seja um louco confirmado, que não vos curando ainda agrave os vossos sintomas, com o inconveniente de esvaziar progressivamente os vossos bolsos.


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Um avião incendeia-se em plena pista. Não há sobreviventes.

Foi um mero acidente fruto do acaso?

Foi obra do destino?

Tem uma causa próxima?

E uma causa remota?

Terá sido uma mera coincidência?

Afinal, a queda dependeu especificamente de quê?

Da nossa mente.

Temos um facto, apenas um facto: um avião que se despenhou falecendo todos os seus ocupantes.


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Às conversas fúteis e ignóbeis prefiro a solidão e o silêncio e, para expressar profundas reflexões, economia de palavras. Não vá deixar de ver as árvores por causa da floresta ou a floresta por causa das árvores.


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Os desejos são infinitos. O seu número aumenta proporcionalmente à sua satisfação e a insaciabilidade com esta.


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A santidade é a observação continuada de nós mesmos e do que nos rodeia.

“O que vale a minha vida? No fim (não sei que fim)

Um diz: ganhei trezentos contos,

Outro diz: tive três mil dias de glória,

Outro diz: estive bem com a minha consciência e isso é bastante...

E eu, se lá aparecerem e perguntarem o que fiz,

Direi: olhei para as coisas e mais nada.

E por isso trago aqui o Universo dentro da algibeira.

E se Deus me perguntar: e o que viste tu nas coisas?

Respondo: apenas as coisas... Tu não puseste lá mais nada.

E Deus que é da mesma opinião, fará de mim uma nova espécie de santo.” (Fernando Pessoa)


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Sentado no quarto da Quinta do Crestelo, a Serra impõe a lareira acesa que o frio mais parece de Janeiro do que de Abril, uma catarreira de que já não possuo lembrança e escrevo apenas, logo depois de terminar o artigo sobre a Gripe Suína – agora com pompa e circunstância denominada gripe A (H1N1).

E penso que um homem com gripe mais se parece com uma carpideira.

Um homem com gripe

E uma carpideira –

Não vislumbro diferença.

Estes versos fizeram-me lembrar um poema que relata as desventuras de um homem com gripe. Remexo as minhas notas, papeis amarelecidos pelo tempo e encontro-o um tanto amarrotado. É do Lobo Antunes.


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Para atingir o desconhecido não podemos partir do conhecido. Temos de esvaziar a mente do seu conteúdo histórico.

A eternidade concretiza-se no silêncio que não é procurado.

Se o buscares não o encontrarás, se implorares não o acharás. Ele é liberdade absoluta que se manifesta no não condicionamento, na ampla abertura de espírito daquele que apenas é e nada procura ou quer vir a ser. Jorra gratuita, espontânea e esporadicamente nos pobres em espírito e não nas mentes torturadas dos filósofos, dos intelectuais e dos que por métodos mais ou menos expeditos se esforçam por o encontrar.

Não está em particular na igreja, na montanha, nos livros sagrados. Está onde nós não estamos, existe quando não existimos, não tem continuidade, não pertence ao espaço ou ao tempo, é existência pura, incomensurável e intemporal.


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Absoluto é o que está para além de todos os limites. O Absoluto prescinde do limitado e só o atingiremos quando nos libertarmos das teias do espaço-tempo, o que apenas se torna possível com a cessação do pensamento e consequente aniquilação do “eu”.


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A criação do novo pressupõe a inexistência de condicionamentos e de motivações externas ao acto de criar.

Pintar um quadro, compor uma peça musical ou fazer uma escultura, nesta perspectiva, não é exprimir o conteúdo da nossa personalidade, nem actividade psicológica compensatória de qualquer complexo de inferioridade, necessidade de agradar, busca da sobrevivência ou enriquecimento. É explosão de liberdade, é inocência.

A criação no verdadeiro sentido da palavra tem a sua origem no novo. Não define a personalidade e carácter do criador, a sua “escola” ou grupo a que pertence ou qualquer motivação lucrativa.

A criação só existe na liberdade integral, quando se está livre de tudo, até da própria busca dessa liberdade.

Quando não criamos, nem queremos criar, desponta a criação com toda a sua força e exuberância.

Para que haja criação, tem de haver liberdade de tudo o que nos condiciona, de tudo o que nos prende a concepções, dogmas, teorias, ambições e competição.


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O amor não é prazer, nem sofrimento, não é pensamento. É um sentir intenso, apaixonado, sem pretensões. Nele não há posse, domínio ou contrapartida.

Temos de observar tudo o que não é amor, o ciúme, o ódio, a ambição, os apegos, e por esta via provocar sem esforço a extinção destes estados negativos.

Para atingirmos a paz e o amor temos de compreender totalmente o sofrimento psicológico e o medo.

Quer a paz quer o amor, são estados indefiníveis, espontâneos e gratuitos, que nascem da dissolução de tudo o que a eles se opõe.


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A meditação é a única coisa que vale a pena se é com ela que termina o sofrimento.


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É com paixão que temos de ver o rosto dos transeuntes, a beleza dum vale verdejante, de uma árvore, de uma flor, uma rua suja na cidade grande.

A observação da vida é feita de forma global, porque ela é una e indivisível.

A observação parcial, que é concentração, distorce a realidade, distorce a sua essência e vitalidade e induz-nos em erro.


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Cada um de nós pensa em deus, segundo o seu grau de “maturidade espiritual”.

É sinónimo de princípio único: da existência, da causalidade e de qualquer finalidade.

O pensamento criou as religiões, as práticas religiosas, os livros sagrados e deus. Aquelas não são caminhos para este. São muros que têm de ser derrubados até que não fique pedra sobre pedra, nenhum resquício de construção mental, e a planície surja num amplo espaço de liberdade sem reservas, erigida em amor universal.


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Diz-se que a questão das questões do universo se prende com a existência de Deus.

Mas, a verdadeira e interessada questão para o homem tem que ver com a eventual existência da “vida” para além da morte, porque a primeira não responde a esta, referindo-se à possível imortalidade da alma.

Da alma do ser humano, já que somos demasiado egoístas para nos preocuparmos com os animais e com as suas também hipotéticas almas.


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Quando o sangue deixa de correr no corpo e o cérebro se cala definitivamente, o conhecido acaba e começa o novo.

A vida renova-se com a morte.

Para viver precisamos morrer.

Morte e vida são a mesma face da mesma moeda.


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O sono profundo é uma morte temporária. A morte um sono prolongado que mergulha no nada absoluto.


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Os mortos não choram, são os sobreviventes que os choram ou se choram a si mesmos.


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Transformámos o sexo num problema imenso. No entanto, o problema não reside propriamente no acto, mas no pensamento que o alimenta.


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A vida é beleza e amor. Não tem sentido, finalidade. Tem de ser vivida instante a instante, em absoluta plenitude.


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Recalcar ou sublimar os desejos é negar a beleza.

Na mais frágil das flores, está o poder e energia, a beleza e o amor, de todo o universo.


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Intuir, é percepcionar de imediato a essência das coisas que nos são exteriores ou que constituem o conteúdo da consciência.

Despidos de imagens, preconceitos, ideias, podemos experimentar e entender o novo.


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Ter paz significa livrar a mente de todo o pensamento, conduzindo-a ao estado de consciência pura.


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A paz que houver em ti transmite-se aos que te rodeiam.


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Morrer para o passado é também morrer para os sentimentos de culpa, para a vergonha de actos pretéritos, para os medos e ilusões.

É começar sempre de novo, imaculadamente.


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“Ser uma coisa é não ser susceptível de interpretação.”

No ver somente, na percepção pura que não envolve o pensamento, não há continuidade. Na inexistência desta, não há sofrimento, há amor.

Ver alguém ou alguma coisa no momento presente é morrer para todas as ideias e imagens que possamos ter guardado em memória referentes a esse alguém ou coisa.

É não contagiar o objecto da visão.


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Este mundo é um poço de infelicidade, de que a maior parte das vezes nem sequer temos consciência.

Estamos mergulhados na dor, ansiedade, desejos e medos que paradoxalmente tememos perder por ser a única realidade que conhecemos.


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Se o compreendo e o pensamento não sabe que observo a flor e suas pétalas rosadas, as folhas verdes salpicadas de orvalho, há tranquilidade.


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Sejam quais forem as desilusões a que formos sujeitos devemos saber morrer inteiramente para as mesmas. Para viver é necessário morrer. No renascer está a paixão, o amor.


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O sofrimento é causado pela actividade mental. O sofrimento é pensamento. Pensamento que julga ou compara.

Aquilo que é, não é fonte de prazer ou de dor. É apenas como o gato que dormita ao sol e a flor que recebe o orvalho matinal.

Se escutarmos o penar em que estamos sem o comparar com factos passados, sem o interpretar, não o aceitando ou negando, acabará por desaparecer. O autoconhecimento dissipa-o.

Pensar no medo é nutri-lo, fortalecê-lo, consolidá-lo, enquanto a pura observação do seu curso o faz findar.

Há que o olhar em liberdade, sem a contaminação do pensamento e da memória, com as suas experiências passadas.

O medo desabrocha no espaço que medeia entre o viver e o morrer e só tem existência nessa continuidade que é pensamento.

Onde não há pensamento, não há padecimento, não há medo, não há morte, antes um viver ágil e intenso que não tem móbil ou justificação.


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Quem pelo autoconhecimento atingiu todas as camadas da sua consciência, leu o grande Livro da Vida, não lhe sendo exigível qualquer leitura de natureza psicológica.


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Se instante a instante nos estamos a conhecer observando-nos, surge a sensibilidade, nasce a bondade, sem que tenham importância os erros e culpas do passado. No instante presente, não há lugar para o passado, sob pena daquele ser destruído na sua essência. Na observação da mente é fundamental que o passado deixe de existir.


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Repugna-me matar um animal. Repugna-me matar um ser humano, bem como a pena de morte. Fazer sofrer qualquer ser.

Por isso também me repugna deixar sofrer horrivelmente qualquer entidade viva, o próprio homem, em estado terminal, sem esperança de cura ou alívio.

Não se trata de um crime, antes dum dever, de um verdadeiro acto de amor, de pura não-violência.


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Suicídio é o acto voluntário pelo qual o ser humano põe termo à sua vida. A apreciação moral e ética deste, varia em função do tempo e espaço.

Existem e existiram ordenamentos jurídicos em que a tentativa de suicídio é e era punida pelo direito criminal.

Este é um problema que respeita à liberdade individual. Se um ser humano considera intolerável o sofrimento físico ou psicológico a que está sujeito, não tendo quaisquer esperanças de alterar o rumo dos acontecimentos, e decide abandonar esta vida, não há juízo de valor que legitimamente possa censurar aquela liberdade.


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A morte não existe para o ribeiro de montanha que seca no Verão quente quando já não há neve para o alimentar.

As águas correm continuamente para o oceano e deste para os céus e dos céus para os montes e vales e para elas não há morte porque se limitam a ser, a fluir.

A maior parte do mundo vive a negar a morte ou por ela aterrorizado. No entanto, tudo caminha nessa direcção, a maior das certezas.


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O ser humano confrontado com a sua morte, recusa-a, revolta-se, faz acordos absurdos com Deus, deprime-se, aceita-a.

Teme a dor física crescente, o sofrimento psicológico, a indignidade, a separação do seu universo afectivo e material. Pede prazo para dar à vida um sentido que desconhece e que nunca cumpriu ou tentou cumprir.

Não queremos morrer. Queremos atingir Deus, o topo da carreira profissional, a paz, mais prazer, um estado de felicidade estável, ver os filhos criados, os nossos em segurança. Não queremos perder a individualidade, ver o ego ser sujeito à extinção.


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Morte e amor estão interminavelmente ligados. Morrendo para o passado, nascemos para a vida eterna.

“O amor é forte como a morte”.

Para amar temos de morrer para as impressões e imagens que armazenámos na mente.

O amor deve existir sem contrapartida.

Uma árvore, um animal, um rosto, um corpo. O acto sexual não é em regra amor. E, não o é, enquanto fruto do desejo, que é continuidade, pensamento. O sexo é sensibilidade, no sentido de sensualidade. É prazer.

Pode e não ser amor. Pensar nele é volúpia, sensualidade. Praticá-lo de forma espontânea, intensamente, com paixão, no esquecimento de si como individualidade e na plenitude do infinito e da eternidade dum cérebro silencioso, é amor.

O amor, que é espontâneo, gratuito, indiscriminado, que não tem qualquer motivo, que não é desejo ou prazer fruto do pensamento, não pode coexistir com o sofrimento. Onde há sofrimento, não está a verdade, a beleza e o amor, que não é supremo ou terreno – mais uma das múltiplas divisões da mente.


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As disciplinas meditacionais são torturantes e como todo o esforço para vir a ser, só produzem mais dor, mais intranquilidade, insatisfação e insegurança.

Meditar não é cumprir um programa espiritual, não se compadece com retiros, não tem horas marcadas. Não é um procedimento racional que visa atingir uma verdade específica. É atenção global e constante de todas as ocasiões sejam elas quais forem.

Implica solidão, a libertação do conhecido, a extinção da dor, para que o novo, o desconhecido surja.

Na atenção há liberdade. Não há juízos ou pré-determinações acerca de nós ou dos outros. Há quietude, pois o pensamento tende a parar espontaneamente.

Não há um método para se ficar atento.

É um intenso saber olhar, escutar, sentir, que se constrói imperceptivalmente, jornada após jornada.

A observação é pura percepção e exclui qualquer tipo de raciocínio, análise ou dedução lógica. Exclui a “visão” que se estrutura num sistema filosófico, numa crença, em experiências passadas, pressupõe liberdade e inocência, morte e renascimento, é acção imediata.

Quando interpretamos o que vemos, deixamos de ver o que é, para vermos o que os nossos condicionamentos e experiências passadas querem ou permitem ver. Em vez do novo, observamos o velho modificado.

Se os sentidos estão plenamente actuantes e o cérebro atingiu a quietude pela consciência de si próprio, a observação é clara e límpida; não deturpa ou distorce a realidade.

O pedaço de corda é real, mas a serpente que vemos ao crepúsculo no seu lugar é irreal.


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Não é por ter pensamentos felizes que somos felizes. A felicidade só existe quando não pensamos nisso.

Há uma verdadeira desventura no desejo de ser feliz.


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