O PENSADOR

O PENSADOR
RODIN

domingo, 21 de abril de 2024

AFORISMOS E REFLEXÕES BREVES IX


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Se a nossa energia estiver debilitada e o espírito conturbado por hesitações, débeis serão os nossos empreendimentos.


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Um dos Mandamentos do Amor:

Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

Muito mal amamos o próximo, por muito mal nos amarmos.


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Há idosos que se arrastam na vida, alardeando os muitos anos passados.

Pena é, que não tenham vivido por inteiro um único dia.


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Coerência e constância não devem ser confundidas com intolerância.

Ser-se íntegro não obriga à estabilidade de opiniões. A mudança livre, desinteressada e consciente é o alicerce da integridade.


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Há homens que perderam todos os seus bens materiais ou que se viram desprovidos das suas riquezas, homens que perderam os seres que amavam, e há ainda os que nada perderam por nada terem. A única coisa que não devemos perder é a capacidade de aceitar a vida tal qual ela é; o “sim” inequívoco seja à felicidade seja à adversidade.


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Não me vingo seja de quem for.

Basta esquecer-me das ofensas ou lembrar-me perfeitamente de as ter esquecido.


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A sublimação, recalcamento ou compensação do instinto sexual, podem também ser consideradas perversões sexuais.


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A razão impede-nos de olhar para além das estrelas.

Experimenta o silêncio.


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Em regra, quando jovem, confiava em tudo ou quase tudo.

Agora, nos portais do envelhecimento, desconfio de tudo, em especial de mim mesmo.

Não existe nada neste mundo que não mereça e não deva ser questionado.


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Se a tua vida se reduzir ao teu estômago e aos órgãos genitais, morrerás como uma vaca leiteira: carne velha e nenhum leite.


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Amor e fantasmas ou espíritos do outro mundo são duas realidades idênticas.

Muito especulamos acerca deles, mas só alguns alienados os viram.


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Conhecer os outros é sabedoria.

Procurares o conhecimento de ti, com constância, é o princípio da iluminação.


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Quando buscamos algo, nada mais encontramos. A insistência obsessiva na perseguição de um objecto ou na prossecução de um objectivo, impede-nos de encontrar seja o que for.

Só conseguiremos encontrar seja o que for, na vigilância passiva, na ausência de esforço, na plena liberdade da mente, o que não se compadece com metas ou finalidades.


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O amor surge como a brisa matinal que não é invocada, quando os estados ou sentimentos negativos são expurgados. Onde há inveja, ciúme, ambição, e apego, não pode haver amor.


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É preferível desconhecer algo, do que ser ignorante a seu respeito, ostentando conhecimento.

O que não sabe e não age, nenhum mal causará.

O que não sabe e age é tão prejudicial quanto um exército recrutado num hospício.


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Tudo o que vemos para além da natureza no seu estado puro foi gerado pelo pensamento. O homem construiu cidades, desviou leitos de rios, edificou pontes, plantou e devastou florestas, fez recuar os mares, teorizou sistemas filosóficos, inventou religiões, dogmas, superstições, escreveu livros tendo chamado a alguns sagrados, protegeu-se com deuses, ídolos e amuletos.

Deus, a alma, livros divinos e de revelação resultam do pensamento que é limitado, o grande responsável pelo padecimento e pelo tempo. Limitado por no seu âmbito só caber o que foi experimentado, não podendo atingir o desconhecido.

O Absoluto não pode habitar a área do pensamento.


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A vivência das inúmeras situações que se nos deparam na vida leva ao conhecimento que é armazenado em memória. Deste nasce o pensamento que conduz à acção – negativa ou positiva –, que se constitui como uma nova vivência ou experiência e assim sucessivamente, sempre com utilização de palavras e imagens.

Precisamos compreender a sucessão de pensamentos, levar esse entendimento até às origens do seu movimento.


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Acusam-me de ser indiferente ao mundo, de não lutar pela sua transformação.

No entanto, a minha influência restringe-se àquilo que sou e não ao que finjo ou quero ser.

A luz da polar é débil, mas indica o Norte sem saber que o indica. Uma pequena quantidade de água pode ser derramada ou salvar a vida dum náufrago. Uma candeia não pode iluminar uma floresta, mas pode incendiá-la.


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A vida futura é um facto incerto. Para viver temos de admitir a insegurança. Temos de a sentir profundamente no nosso coração. Só esse sentimento permite o gozo pleno, intenso e apaixonado do momento presente, único que possui existência real e que é em regra aniquilado pela mente.


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Perceber um problema é vê-lo em toda a sua extensão sem que o pensamento interfira. Resolvê-lo é dar-lhe atenção imediata.


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Os problemas têm de ser resolvidos instantaneamente. A indecisão é um conflito entre o quero e o não quero, vou e não vou, que absorve a actividade do cérebro e o inviabiliza de observar.

Se fugimos do problema, ficamos com ele e com o novo, que cuidávamos adequado para a sua substituição.


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A nossa vida é um amontoado de problemas do princípio ao fim. Problemas de relação – familiares, laborais, amorosos, nos conhecimentos e amizades –, sexuais – com inúmeros mitos e barreiras –, morais, religiosos, estéticos, psicológicos.

No conflito há um encontro de forças contraditórias, em que cada uma pretende dominar a outra. Do confronto resulta inexoravelmente desgaste.


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Libertos dos condicionamentos e das impressões residuais, com a inocência da criança de tenra idade, tudo nos espantará. Teremos uma mente livre que não dana seja quem for e não pode ser magoada.


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Quando vivemos segundo os nossos próprios parâmetros, isso não é egoísmo, é uma liberdade cujo conteúdo essencial não é afrontado. O egoísmo nasce quando alguém quer impor a outrem as suas regras, determinações e expectativas.


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Se nos libertarmos do pensamento, libertamo-nos de tudo o que nos relativiza, que nos condiciona. E a libertação do pensamento passa pela sua vigilância, momento a momento.

Aí, quando pesquisamos algo, comportamo-nos como quem nada sabe. A pesquisa pressupõe liberdade de respostas pré-programadas pelas nossas motivações e condicionamentos. Seremos crianças inocentes, pobres em espírito, nas quais as impressões residuais e pulsões se apresentam de forma virtual.


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A fantasia e a imaginação deturpam e inviabilizam a percepção límpida das coisas, que só é possível com a quietude do cérebro.

Na ficção há uma representação mental divorciada da realidade.


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O saber é sempre relativo à situação espácio-temporal do homem. A nossa mente adquire conhecimentos, soma-os recorrendo à memória, à aprendizagem prévia, relaciona-os, reflecte sobre eles.

E quanto mais repetimos, mais citamos, mais inteligência parecemos ter aos olhos do mundo, confundindo-a com a memória que é perniciosa ao perscrutar da vida e ao definitivo estabelecimento da harmonia. Mas há o conhecimento que não é fruto do pensamento e dos seus múltiplos mecanismos, que é fruto da pura observação e do deslumbre por esta gerado.


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Sem alento e energia não superamos os obstáculos, não atravessamos o rio de águas caudalosas ou a montanha íngreme. Mas, o empenho para se ser algo mais do que aquilo que se é, transforma-se no maior dos desperdícios. Basta-nos “ser”.

A mudança que se pretende pressupõe esforço. O esforço é contenda e a contenda é padecimento.

O trabalho e o acumular de conhecimentos geram conflitos quando os erigimos em fonte de transformação, de prestígio.

Ser-se o que se é, não querer ser, é a base da mudança que surge espontaneamente.


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O trabalho e a riqueza são invenções do estúpido progresso.


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A sociedade transformar-se-á no que é essencial quando cada um de nós se transformar.

É um erro pensar que o legislador, o político, o religioso, têm capacidade para melhorar a consciência dos seres humanos, fazendo cessar a dor psicológica. Caminhamos na direcção do horizonte. A cada aproximação, nova distância. Só existe a vereda sinuosa, nunca a consumação da chegada.

Cada um tem o seu próprio caminho sem mapa, um trilho desconhecido cujos rastos desaparecem imediatamente.

Estamos sós nessa caminhada para algures ou lado nenhum.


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O Estado, os poderosos, os políticos, os dirigentes, procuram sempre justificar-se. Justificam-se aos outros e a si próprios. Com a tradição, o direito natural, a divina providência, a vontade popular. Justificam, legitimam e validam a ilicitude e imoralidade dos seus actos.

A autoridade nunca é inocente.

Não é só o Estado que é um “monstro frio”. A sociedade humana também o é, destruindo-se a si mesma e à natureza que diz preservar. 

As florestas precedem os homens, os desertos seguem-se-lhe.


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Nesta sociedade estupidificada, muitas vezes não são os meios a justificar os fins, mas os meios a justificarem-se a si mesmos. 


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Quando estamos doentes apercebemo-nos de que parte das nossas vidas foi gasta em futilidades. Pena é que o retorno da saúde traga consigo uma espécie particular de amnésia perniciosa.


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Os empresários industriosos são mais pobres que a maior parte dos sem-abrigo, porquanto só conhecem um princípio, uma ética, uma realidade: a do lucro. Os ricos que ambicionam mais riqueza são mais do que pobres, são miseráveis por excelência.


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Há cobardes que só o não são em aparência, já que aparentando tê-la, não têm réstia de coragem.

Há heróis, porque por medo e cobardia não fugiram.


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Julgas-te deus. Ciência e progresso iludem-te.

Nada sabes de ti, muito menos do Universo, quanto mais acerca da alma e do Absoluto.

A ignorância é o teu atributo, e nada fazes para a superar, alimentando-te de futilidades e esperanças vãs.


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De nada servem as palavras, por mais belas e inspiradas que pareçam, se não tiverem correspondência na acção de quem as profere.

Vale mais uma acção correcta, um exemplo gratificante, do que mil prédicas.


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As obras que realizamos são perecíveis.

Umas vezes perecemos antes delas, outras com elas, e outras depois delas.

Mas, ambos estamos sujeitos à corruptibilidade.


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Tenho quase a certeza de que inexistem certezas. Assim, até o facto de inexistirem certezas é uma incerteza.

A fé nasceu para validar certezas incertas.


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A maior punição para as más acções, comummente denominadas “pecado”, não é o Inferno, mas uma das suas sinonímias: o sentimento de culpa.


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Sempre me acautelei dos que me lisonjeiam. A sua língua é na maior parte das vezes, viperina.

Prefiro um inimigo sábio, a mil asnos por amigos.


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A consciência psicológica é a totalidade dos estados mentais percebidos pelo sujeito como referidos a si próprio.

O ser humano é idêntico. Ele é o prazer e a dor, ansiedade e tranquilidade, amor e ódio, alegria e tristeza, medo e destemor, segurança e insegurança, traumas e sentimentos de culpa, a herança cultural, os valores éticos e estéticos, e acima de tudo, padecimento psicológico.

Temos estratificada na nossa consciência a história psicológica da humanidade. Há uma estrutura básica da nossa mente que é o resultado das experiências imemoriais da raça e seus antecessores na longa cadeia da evolução da vida. Podem chamar-lhe o que quiserem, inconsciente profundo, colectivo. Este material comum, provavelmente comum a toda a humanidade, explica a existência de mitos de estrutura análoga em povos e civilizações que não tiveram qualquer contacto. Para além deste, a consciência não tem conteúdo próprio; no entanto, nunca está vazia, está repleta de coisas que lhe são exteriores quando a quietação psicológica é algo de fundamental.


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O homem não existe para trabalhar e enriquecer. Nasceu para recolher os frutos da terra, amar intensamente, realizar a beleza, e contemplar em paz o meio envolvente.

No entanto, é um operário incansável. Fabrica ininterruptamente objectos, e está constantemente a fabricar-se a si próprio.


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A sociedade actual estrutura-se no prazer, na ambição, na inveja. Buscamos o prazer com o acumular de bens materiais, com a repetição de experiências agradáveis, com o poder.

Aspirar à repetição de vivências aprazíveis e voluptuosas é fazer germinar o sofrimento psicológico.

Exigimos constantemente novas experiências, novos prazeres ou a repetição dos passados. Estamos insatisfeitos com a vida que levamos e queremos sempre melhorá-la qualitativa e quantitativamente, ao que alimentamos e desenvolvemos um grande número de anseios. E nessa procura desenfreada de gozo, nesse estar no futuro com expectativas de melhoria, passamos ao seu lado.


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Não é a riqueza que deve ser condenada, mas a opulência, a ganância e a avareza. Não é o poder que destrói, mas os seus abusos, tais como o proveito próprio, a corrupção e o compadrio. 

É tão reprovável a atitude do que se vende por dinheiro, como do que se vende por prestígio, amizade, amor ou até por compaixão.

Não são os bens materiais ou as riquezas que cerceiam o nosso crescimento, mas o “ego”.


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As oferendas são na sua maioria realizadas para compensar algo que é profícuo e agradável ao doador. Uma dádiva é similar ao isco com que o pescador pretende ludibriar o peixe.

Não damos ponto sem nó. As nossas ofertas só muito extraordinariamente são espontâneas, indiferentes ou desinteressadas. Dá-se para colher, no imediato ou num porvir hipotético, mas previsível. Pagam-se favores, benefícios ilícitos e gentilezas. Percebem-se donativos de corruptela e mimos ilegítimos. Engrandecem e cevam os políticos e poderosos, tais suínos em período de invernada, enquanto os desventurados, lerdos, famintos e ignorantes, os vão untando e nutrindo, porque é de muito mais valia o salteador que reparte uma ínfima quota do seu quinhão, do que aquele, que nada partilha, como se uma mão conspurcada fique lavada pela partição do furto socialmente consentido.


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Quando me sento nas fragas da montanha, entendo sem pensar, que a Natureza é paciência.


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