O PENSADOR

O PENSADOR
RODIN

domingo, 21 de abril de 2024

AFORISMOS E REFLEXÕES BREVES XI


***


Amar é voar sobre um oceano de liberdade mútua.


***


Será necessária coragem para afirmar a verdade?

Os aduladores são como as víboras, que saem quando o Sol aquece a terra e se escondem aquando das intempéries.


***


Os relacionamentos geram quase sempre padecimento porque esperamos que os outros ajam não segundo as suas próprias convicções, mas segundo as nossas. Queremos que se coadunem com as nossas motivações.

Se abandonarmos estas exigências egoístas cessa a dor. Mas, evitar os relacionamentos para atingir a paz é uma fuga, e como tal, também fonte de sofrimento.

O relacionamento estrutura-se nas ideias reciprocamente formadas pelos relacionados.


***


O afecto é um fenómeno energético que se produz na mente superficial ou profunda com eventuais repercussões orgânicas, por via de um estímulo, de manifestação exterior ou até interior. Prazer e sofrimento são encarados como as suas grandes divisões. A afinidade pode ser física ou mental, mas constitui-se em regra, como atracção mútua, e a afectividade é mais do que o somatório das emoções e sentimentos.


***


Devemos libertar-nos da obstipação emocional. Temos de expressar os nossos sentimentos sejam eles quais forem. Mostrando quem realmente somos ao nível emocional, sem nos preocuparmos com o desagrado ou aprovação daqueles a quem nos expomos, acabamos por destruir as manifestações psicopatológicas que surgem pela hipocrisia da contenção sentimental forçada.


***


É fundamental morrer para o passado. Há os traumas, os recalcamentos, as sublimações, os complexos de inferioridade, os sentimentos de culpa. Há que os escutar sem desesperar até que se desvaneçam ou esmoreçam.


***


A fantasia é ilusão; deturpa a realidade. Queremos ter prestígio, ser conhecidos e reconhecidos em vida e na morte. Procuramos o poder em todas as esquinas que cruzamos, em todos os locais que frequentamos. Sonhamos ser isto ou aquilo, um maestro famoso, político eminente, guerreiro valoroso, artista ou santo. Sonhamos que o mundo se prostra aos nossos pés, tanto, que as estrelas se curvam para nos beijarem e o Sol nasce por nossa secreta vontade. Quem é que não quer ser Deus? Quem é que não sonhou com a absoluta liberdade? Quem é que no seu pranto não iludiu o sono para imaginar a ascensão do ser à imortalidade? O imaginário é-nos caro, é o sopro de alívio do sofrimento, o último reduto do pensamento. Sonhamos para amenizar a dor que gira, parte e retorna, tal fiel animal, que espoliado dum sentir próprio, maltratado e subjugado não abandona seu dono. Somos os mestres do sofrimento psicológico, mestres e aprendizes, locadores e locatários, administradores e administrados. Somos pensamento, somos sofrimento, defuntos numa vida de morte anunciada.

Queremos sempre prolongar o prazer, fazer cessar a dor, encetar uma fuga ao tormento. A fuga do que é, do que ocorre, é um lamento de que ninguém se compadece, somente nós, nessa autocompaixão destrutiva e grito de solidão que não fenece. Mas, estamos vivos nas células que se comprimem num universo imaginário, que dia após dia, tece e é tecido por fio ensarilhado. Estamos vivos numa vida encenada, interpretada e comparada. Estamos vivos na morte, que em crianças e com o “eu”, connosco nasceu.

As águas correm cristalinas na pequena queda junto à barragem, as nuvens são sempre diferentes no céu azul, e os pássaros cantam diferenças ao sabor da aragem. A truta grande e velha do bloco de granito submerso está hoje quieta, tão imóvel quanto a corrente o permite. Mais tarde, cansar-se-á da imobilidade, já que o descanso nem sempre dá tranquilidade, e virá à superfície colher o alimento móvel, sempre com gestos rápidos e fugazes, novos, não estudados. E eu? Faço projectos, conjecturo feitos, iludo os sentidos.


***


Inteligência não é conhecimento, não é pensamento, mas sabedoria. É o discernimento que nasce do silêncio e que nos permite de forma imediata perceber a realidade, separar o trigo do joio, a verdade do falso. É ler o que não está escrito, ouvir o que não foi dito, ver o que não é visível. É observação, percepção pura, no seu mais rigoroso sentido. Não é lógica ou razão, cultura acumulada ou tradição. É uma intuição que emerge do vazio.


***


Este é o planeta dos papagaios engravatados. Uma gravata e um monte de citações alheias fazem dum simples oligofrénico um catedrático.


***


A consciência é formada pelo pensamento e seus resultados, bem como pelas nossas sensações e conhecemos-lhe vários estados:

- O sono, alimentado por sonhos, momento em que o contacto com o mundo exterior é cortado, criando o cérebro os mais diversos elementos que compõem uma nova realidade, um novo universo;

- O sono profundo, lugar de repouso por excelência, onde deixam de existir anseios e sonhos e nada sabemos ou sentimos;

- Ao despertar, um momentâneo estado de libertação de todos os pensamentos com a inerente felicidade que daí advém;

- O estado de vigília.

No momento do despertar há em regra ausência do pensamento. É este estado que devemos buscar com a observação continuada de todos os recessos da mente.


***


Na cidade grande, os homens limitam a sua vida, à carreira e às obrigações profissionais.

Os nossos dias foram passados a caminhar para o emprego em transportes incómodos, sempre acompanhados por gente sonolenta e mal-encarada, gente que abomina as tarefas que lhes estão destinadas. Uma contenda durável por ascensões, com as inerentes tramas, executando tarefas que só muito raramente nos satisfizeram.

Nos escassos tempos livres vivemos enclausurados em paredes de betão: em casa presos a programas televisivos supérfluos, com os filhos entregues às novas tecnologias; nos cafés, embevecidos por conversas fúteis; nos centros comerciais, desejando os produtos da moda. Trágico…


***


Este é um mundo de rótulos, inscrições, denominações, de clubes, associações, grémios, de religiões, crenças, fé, doutrinas e devoções, de facções políticas, partidos e seitas. Cristãos, muçulmanos, budistas, hindus, democratas, comunistas, portugueses, chineses. Necessitamos de companhia física e nas ideias, de beneplácito e assentimento. Tememos ficar sós e quando acompanhados assassinamos com a crueldade e impiedade que só aos humanos é reconhecida, em nome de deus, da religião, do estúpido nacionalismo, da revolução e de todos os partidarismos.

Sem rótulos ou etiquetas definidoras estaremos a um passo da liberdade, que só os rios, as árvores e as aves conhecem, desopressão onde a violência é totalmente desconhecida.


***


O ciúme prende-se com o sentimento de posse. Não queremos que outrem desfrute do nosso amor, amizade, afeição.

No ciúme, convertemos os outros em coisas, em bens susceptíveis do gozo do direito de propriedade. Nele, o único amor que existe é o amor-próprio.

Quanto maior o apego à “coisa” amada, maior o sofrimento do que perde ou duvida da fidelidade do seu “objecto”. É corrosivo, e até que o apego se desvaneça, o seu sujeito activo não pára de remoer pensamentos, que em muitos dos casos são meras confabulações.

Libertamo-nos do ciúme, quando nos libertamos dos apegos, e destes pela destruição do ávido “ego”. A reflexão não nos alivia ou liberta. Apenas nos vai dizendo, que não há nada que o justifique. E quanto mais o repetimos, mais repetimos os pensamentos que em círculo obsessivo assolam e absorvem o cérebro.


***


O amor à primeira vista é consequência da visão de um corpo sexualmente desejado.


***


A avareza é uma doença crónica de todos os que pensam conseguir viver para todo o sempre, apegados às suas riquezas.

A prodigalidade é uma doença aguda dos que se julgam portadores de patologia crónica letal, e vivem como se o dia de amanhã fosse o da sua morte.


***


Um país onde se verifica a lentidão da justiça torna a pena inútil.


***


O ignorante tem por hábito apoiar-se na ponta dos pés, tal bailarina. Nessa posição, manter-se-á apenas por breves momentos.

Tem também o hábito e a necessidade de se sentar nos lugares onde pode ser visto e ouvido.

Por seu turno, o sábio mantém-se assente na totalidade da palma dos pés. Mesmo que o cansaço o domine, suportará essa posição por longas horas.

Por outro lado, senta-se nos últimos lugares, onde tudo pode ver e ouvir, sem que seja visto ou ouvido.


***


Quem é Deus?

Qual Deus?

O que tu mesmo criaste!

Segundo o Génesis, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança.

Precisamos de corrigir as Escrituras:

O homem criou Deus à sua imagem e pede-lhe com constância o que em regra conseguiria obter, não fora a sua preguiça.


***


Bernard Shaw disse que “a democracia é apenas a substituição de alguns corruptos por muitos incompetentes”.

Não é bem o que tenho vindo a assistir: a democracia é a substituição de uma meia dúzia de corruptos, por milhares deles, que para maior infortúnio são também incompetentes e ignorantes.


***


A celebridade é uma ilusão. Al Capone e Saddam Hussein, são mais célebres que Gandhi e do que a Madre Teresa de Calcutá.

É preferível viver na obscuridade.


***


Falamos de amor, de amizade.

São tantos os amigos de que parecemos dispor. Mas, a regra é a unilateralidade, ou seja, em verdade e com rigor, só um é amigo do outro. Este, ou é um manipulador ou alguém que se aproveita das acções e sentimentos gratuitos do outro, que é crédulo e inocente.

O amor no mundo é essencialmente amor-próprio. Se o rico tem muitos parentes, o poderoso tem muitos amigos.


***


O sexo, no seu silêncio quase místico não se compadece com estúpidas reflexões.


***


A corrupção, o compadrio e o aproveitamento próprio são as regras desta sociedade falida que se apregoa moralista e justa, mas é imoral, degradada e injusta. Aplaudem-se pedófilos na praça pública, exaltam-se corruptos e assassinos, a quem se prestam homenagens vigorosas. É de todo normal, louvável e em última instância, justificável, que chefes de estado de países ditos democráticos e desenvolvidos, recebam com pompa e circunstância, outros altos dirigentes, verdadeiros homicidas e ladrões enriquecidos à custa da miséria, da fome e ausência de todos os cuidados primários das populações que governam, usufruindo ainda frequentemente dos dividendos por eles ilegitimamente obtidos, em festas, comemorações e recepções repugnantes. E ninguém tem a coragem de os tratar pelo seu verdadeiro nome: criminosos da humanidade.


***


Há fome, miséria, angústia, morte provocada e todos os inúmeros problemas existenciais que assolam a humanidade.

A justiça é uma ficção, tal como a igualdade dos cidadãos perante a lei. As Constituições políticas dos estados afirmam-no, a realidade nega-o.


***


No nosso tempo grassa a incompetência. Os especialistas, médicos, advogados, entre tantos outros, ocupam-se com trivialidades, correm mais do que a própria ganância, de um lado para outro, mais parecendo baratas tontas do que seres humanos.

Estamos minados de doutores analfabetos, seres despidos de sabedoria e com parcos conhecimentos.

Gentis com os poderosos, negligentes e desinteressados com os desvalidos, fedem de tanta malvadez, incúria e avidez.

Nada aproveitam da vida. Estão afastados da beleza, das experiências gratificantes, da gratuitidade do amor. Envelhecem como o boi no cercado ou como suínos em período de invernada, gordos e anafados, de carne pútrida, não obstante tenham cangas ornadas com pedrarias raras.


***


Os nossos cérebros têm amontoado uma quantidade imensa de velhos objectos, que não são propriamente propriedade de um antiquário, mas peças indiscriminadamente armazenadas em prateleiras desorganizadas e empoeiradas de um ferro-velho.

Os resquícios do passado aglomeram-se, confundem-se e fortalecem-se em colisões contínuas, fruto do pensamento caótico e desordenado. Toda esta actividade embota os sentidos, inviabilizando a percepção da vida no seu contínuo fluir, e da sua beleza própria.

Se queremos uma mente lúcida, aberta ao mundo, à integridade, é fundamental proceder à “limpeza” do cérebro, e de todos os condicionamentos e pensamentos obnubiladores. É essencial entender que a liberdade, a não-dependência, é o único meio de aceder ao Todo, e que a purificação do cérebro não poderá nunca ser obra de práticas dominadas pelo esforço com a sua consequência óbvia, que é o mecanismo do recalcamento.


***


Respeito as prostitutas na sua verdade. Atente-se que contrariamente ao que se afirma, nada vendem, já que o corpo mantém a sua integridade física e individualidade; limitam-se antes, a prestar um serviço bastas vezes valioso, a homens medíocres.

Não respeito as mulheres que prestam um serviço em troca de favores, e estas, são indubitavelmente “cem vezes” em maior número que aquelas.

Também as não respeito quando trocam o serviço por “amor”, sendo provavelmente hoje, em menor número das que o permutam por favores.


***


O cérebro é um dispositivo eléctrico que gera todas as nossas sensações, sentimentos, pensamentos e acções.

O cérebro não se limita a manter-nos conscientes do meio envolvente. Pelo pensamento constrói o nosso próprio mundo.

O mundo parece ser um conjunto de seres, objectos, formas, cores, odores e sons. No entanto, o que realmente existe são raios de luz, ondas de som, átomos e moléculas em vibração e em contacto com os nossos corpos. Caso tivéssemos uma visão apropriada para o percepcionar, veríamos uma cena em que tudo está em interacção, tal como num quadro em que as formas se esbatem umas nas outras criando unidade. 


***


Tenho uma tendência irresistível, que provavelmente pecará por excesso, sendo assim um defeito: a de buscar concentrar em poucas frases o que os verborreicos não exprimem em centenas de páginas.


***


O homem perfeito usa a sua mente como um espelho.

Ela nada aprisiona e nada recusa.

Recebe mas não conserva.


***


A sociedade ocidental estrutura-se nos princípios do cristianismo, princípios cada vez mais ignorados no dia-a-dia. Nada que nos espante; desde o início que foi assim.

Vivemos mergulhados no egoísmo, no esquecimento dos outros. Riqueza e pobreza. Quantos homens não têm como viver? 

Os pobres violentamente espezinhados numa vida a que não é atribuído valor, desde que nascem e até ao morrer.

Vivemos numa sociedade consumista. É preciso ter e não ser, dizem os que atraiçoam a palavra que apregoam. Importantes são os fatos que vestem, as mansões onde habitam, os carros que guiam, os amores de que se vangloriam, a publicidade de que beneficiam.

Mas são cristãos, dizem. Dispensaram Satanás.

Cristãos odiosos e hediondos, personagens de mentira e hipocrisia, anticristos.


***


Platão é o filósofo que mais admiro. E é o meu preferido por ter sido discípulo de Sócrates, que tal como Jesus e Buda não precisaram de ler ou escrever para serem sábios.


***


“Não sou esperto nem sou bruto

Nem bem nem mal educado

Sou simplesmente o produto

Do meio onde fui criado.”

António Aleixo

Quem devemos julgar? A doença ou o enfermo? 


***


No século XVII o Padre António Vieira escrevia:

"Não são ladrões apenas os que cortam as bolsas.

Os ladrões que mais merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e as legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, pela manha ou pela força, roubam e despojam os povos.

Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam correndo risco, estes furtam sem temor nem perigo.

Os outros, se furtam, são enforcados; mas estes furtam e enforcam."

Um Vieira bem actual nas suas reflexões sobre a justiça que se quer cega, mas que é zarolha.


***


A verdade é como a poesia, que alguns odeiam, a outros aborrece e que a maioria ignora.


***


Diz-se que os dois dias mais importantes da nossa vida são o dia em que nascemos e o dia em que descobrimos o nosso verdadeiro Eu.

Mas o único e verdadeiro aniversário de um ser humano é quando ele penetra o seu coração, encontrando o Si, que transcende o nascimento e a morte.


***


No dia do aniversário devemos lamentar a nossa entrada neste mundo.

Celebrar o dia de anos é o mesmo que regozijar-se com um cadáver, preparando-o e embelezando-o para depois o cremar ou sepultar.

Investigar o próprio Si, no âmago do seu coração, dissolvendo-se nele integralmente, é sabedoria.


***


A boca da maioria dos políticos, quando se abre, fede a túmulo.


***


Sem comentários:

Enviar um comentário