O PENSADOR

O PENSADOR
RODIN

domingo, 21 de abril de 2024

AFORISMOS E REFLEXÕES BREVES X


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Porque é que escolheis a via do delito punível criminalmente?

Esta sociedade protege os criminosos por excelência, desde que tenham perspicácia para encontrar as leis certas, as interpretações devidas e os advogados corruptíveis.


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Ciência e técnica são fardos de conhecimento carregados por um sendeiro.

A sabedoria alivia o asno da sua carga.


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Tanto o crente quanto o céptico não indagativo são os imperadores da indolência e da frouxidão.


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A mentira por omissão é muito mais poderosa e difícil de desvendar do que a mentira por acção.


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O progresso tem duas faces. Ainda não consegui descobrir qual delas é a mais proveitosa.


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Ninguém tem o poder de fazer alguém feliz. Somos nós que decidimos se queremos ser felizes.

Não é a pessoa com quem me relaciono que me faz feliz. A felicidade brota da união, como a água que irrompe de duas nascentes e explode vigorosamente na fonte sulcada na rocha.

A água que me sacia a sede não é duma nem doutra, mas do encontro das duas.


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A organização forçada da comunidade, estruturada na integral igualdade dos indivíduos, na comunhão dos bens e dos meios de produção, é utópica. A sua existência dependerá da liberdade de condicionamentos, do ciúme, da inveja e da ambição, do entendimento total dos anseios e do pensamento.


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Só a liberdade, não a democrática, mas a psicológica, pode construir uma sociedade isenta de desigualdades, guerras, fome e ódio.


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Ser livre é caminhar sozinho no deserto ou na multidão, sem fórmulas nem mestres. 

Para viver precisamos derrubar os condicionamentos.


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Destruir os condicionamentos não é recalcá-los, sublimá-los, compensá-los. A destruição pressupõe entendimento. Entendimento que decorre da observação contínua e desinteressada, que não emite juízos de valor, comparativos, que se limitam à auscultação do que é, levando sem esforço à mudança.

Ao estabelecermos uma relação conducente à apreensão dos elementos comuns ou diversos dos objectos, seres ou pensamentos, comparamos. Com a comparação destruímos a sua individualidade.


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Quando formulamos juízos enunciamos o que deve ou não ser, quando o que é, é um facto indesmentível e irredutível a qualquer visão limitadora.


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Estamos condicionados pelas nossas crenças, ideias, hábitos, anseios, apegamentos e medos. Se sou cristão, social-democrata, com ideias preconcebidas acerca de tudo e todos, buscando ardentemente o poder, ligado à mulher com quem vivo, com medo de perder o que possuo e da própria morte, a minha actividade mental desenrola-se num presídio autoconstruído sem acesso ao deslumbre do novo, da mudança que ocorre nas coisas momento a momento.


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A ilusão e a fantasia de que se é algo para além do que se é, só produzem alívio passageiro e geram mais sofrimento quando aquele cessa.

Quando fantasiamos não estamos presentes no aqui e agora. Vivemos um futuro fictício, um sonho irreal onde as nossas forças são consumidas e donde nascerá forçosamente a dor, esta sim, evidente.

Só há autenticidade quando desejamos ser nós mesmos, e mais nada para além disso.


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Tudo morre. O dia com o poente, a noite com a aurora. A árvore, a pedra, o rio, a terra, o sistema solar, as galáxias, o universo. Na morte está o novo, a castidade mental da criança, a Verdade, a Realidade.


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Nas montanhas, vales e planícies, oceanos, mares, rios e ribeiras, nas galáxias e no céu da minha aldeia, há muito mais do que todas as filosofias, mesmo as vindouras, podem conter.

A realidade tem uma força e energia que não encontramos em nenhuma doutrina ou sistema filosófico.


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Os nossos hábitos não nos conduzem à almejada alforria espiritual. Tornam-nos escravos sem a menor capacidade autonómica. Beber, tomar drogas, fumar, buscar entretenimento com o fim de esquecer os nossos antagonismos e conflagrações interiores, encaminha-nos no sentido de uma existência aparente, leviana, insípida e fastidiosa.

O hábito, seja ele qual for, destrói a liberdade. O hábito de pensar por tudo e por nada, desvirtua o facto, aquilo que é, esgota e dilacera o cérebro que emprenhado por material obsoleto, dissipa e malbarata o acesso à realidade. Fundamental é expurgar o cérebro da sua rotina, habitude e costumes, libertá-lo da sua mortalha evitando o seu decesso prematuro.


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A família e o trabalho são castelos que nos encarceram e esgotam a nossa vitalidade. O apegamento à família com as autolimitações para manter o seu equilíbrio sempre precário e a carreira profissional cerceiam a liberdade.

O relacionamento familiar é em regra de uma opacidade brutal. A transparência é de todo excepcional. Marido e mulher convivem numa duplicidade constante, ludibriando-se mutuamente. Simulam amor onde vigora o hábito. Fingem fidelidade onde impera o adultério físico e mental. Desdobram-se em palavras gentis que se estruturam no ciúme, no ódio e na falsidade. São o que efectivamente não são, e deixam de ser o que são por mera conveniência das aparências sociais, escravizando-se a um modo de ser vil e repulsivo.

No trabalho, os indivíduos atropelam-se, iludem-se, esmagam-se, enganam-se. Desenvolvem a secular arte da intriga, da delação, do favorecimento pessoal. Lutam sequiosamente por uma posição favorável espezinhando mesquinha e indiscriminadamente todos os obstáculos. São aquilo em que se transformam: entes desprezíveis escravos da sua ambição.


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O progresso, as múltiplas invenções tecnológicas do século, a vida no maior dos palácios com todas as necessidades e anseios materiais saciados não conduzem à paz. A inquietude espiritual e a angústia existencial podem ser idênticas na abastança e na penúria.

O tempo contemporâneo está eivado de ansiedade, desassossego e depressão. As doenças do foro mental dominam a sociedade. Quando penetramos na vivência dos homens, na sua “verdade” acerca do mundo, percebemos imediatamente o imenso padecimento psicológico em que se estrutura a vida. Ansiosos, fóbicos, deprimidos e melancólicos, angustiados, por via de factores genéticos, socioculturais, traumáticos, nutricionais, infecciosos, degenerativos ou meramente psicológicos. 

É esta a dura realidade de uma comunidade que enlouquece e permite e promove o ensandecer dos seus filhos.


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Não há nada neste mundo que não possa ser dito com um sorriso nos lábios. As repreensões têm uma utilidade acrescida quando atingem o visado como o orvalho atinge a flor. O granizo é destruidor.


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Os aspectos formais e cerimoniosos da existência arrastam-nos para a desventura e ignorância. Não é a magnificência do culto, a circunspecção dos membros do tribunal ou a farda majestosa do general, que geram santos homens, justiça digna ou vantagem na batalha.


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Circundamo-nos de auréolas de soberania e excelência para que as nossas fraquezas e fragilidades possam passar desapercebidas. Concebemos preceitos injuntivos que nos protegem dos atropelos e agressões imorais que cometemos, que legitimam ou validam actividades escandalosas e indignam os que se envergonham de tanta libertinagem impunemente estabelecida e aceite. Bendizemos com uma mão, em nome de um deus dos homens, para com a outra exigir o pagamento de sacrifícios espirituais e materiais purificadores. Julgamos os pobres com o desdém de uma falsa igualdade e os ricos com compreensão e aceitação da sua adversidade e má-sorte. Tanta embustice nos adereços e adornos, no espavento e esplendor da ostentação, que apenas serve o intuito lastimável de esconder a mesquinhez e hipocrisia de quem quer aparecer aos olhos do mundo como decente e honesto e é fundamentalmente grosseiro e vicioso, corrupto, imoral e manhoso.


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Para o pessimista tudo são presságios de desgraça. O optimista, por seu turno, encara bastas vezes a vida com um excesso de leviandade. Nem a rosa tem espinhos nem os espinhos têm rosas. Não existe atitude mais conforme à prudência do que a daquele que encara os acontecimentos de modo realista e com a frieza de espírito fundamentadora de justa acção.


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Hesitação é a incapacidade de decidir.

Na imaturidade decidimos impulsivamente.

Na maturidade, a maioria hesita por dúvida, por falta de confiança em si mesmo ou por frouxidão. Assim, não decidem ou decidem mal.

Raros são os que conscientemente enfrentam tão difícil empresa como a decisão.


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Gandhi afirmou que “o fraco jamais perdoa: o perdão é uma das características do forte.” No entanto, o forte não tem necessidade de perdoar, porque nada o pode ofender, e onde não há ferida não há necessidade de cura.


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A maior parte do sofrimento psicológico advém da vontade consciente ou inconsciente dos homens serem vítimas da dor.

O sofrimento imaginário, mantendo o seu cérebro ocupado, libera-os de questões fulcrais e controversas, que urgiria resolver.

Talvez seja esta a razão fundamental da vida se constituir essencialmente como padecimento psicológico, com alguns breves lampejos de alegria.


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Existem homens simples, comuns, que mataram outros homens, nomeadamente por honra, vingança, ciúme. A estes, o povo chama assassinos.

Há outros que matam o povo à fome, enquanto enriquecem e cumulam de riquezas os seus lacaios. O povo submete-se e estima-os por medo, bajulando-os.

Outros matam milhares em guerras de proveito próprio, que invocam em nome da democracia, do patriotismo, de deus. A estes chama o povo, salvadores.

Há médicos que matam por ignorância, preguiça, negligência e desumanidade. Destes realçamos o acaso e o facto de o erro ser uma constante humana.

Há os que fazem o mal e os que permitem que aqueles o façam. Ambos são abomináveis.


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Não busques a felicidade. Limita-te a ser feliz, sem qualquer causa ou objectivo.

Sê feliz em tudo e em nada.

Não penses na felicidade, isso torna-te infeliz.

Imita as crianças e serás contemplado com a visão suprema da Paz.


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A inocência da criança faz com que no menos encontre o mais, enquanto os condicionamentos do homem fazem com que no mais nada encontre.


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Não consigo suportar injustiças. Tenho pautado a minha vida pela indignação, protestando por mim e pelos outros, quase sempre pelos outros.

A maioria dos homens só protesta quando sente a injustiça na própria carne, e só o faz quando não pressagia consequências nefastas.

O silêncio face às injustiças é uma cobardia, pelo que o mundo é um antro de cobardes.

No dia em que não me indignar, creiam: estarei a urinar sem que o saiba para os meus próprios pés.


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Sou tão-somente aquilo que sou.

Sei que sou julgado pelo que pareço ser.

Pouco me importa, continuarei a ser o que sou, mesmo que erroneamente avaliado.

A minha reputação é o casaco velho e coçado do fundo da gaveta que nunca é aberta e que quando o for, terá o seu conteúdo corrompido pelo tempo e pela traça.


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Há o sexo praticado pelo sexo, o sexo por afeição, o sexo por “amor”.

Há o sexo com restrições, sexo sem restrições, o sexo limitado eticamente, ou degradante.

O Amor dispensa a moral, mas não justifica a perversão, e o “amor” quase nunca dispensa o sexo.


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A bondade tem o dom de se deixar explorar por ladrões e oportunistas.

A maldade é a força gestante do medo.

Os bons são explorados e os maus temidos.

Para viveres no justo equilíbrio, mantém com constância o coração da pomba e com frieza afectiva o espírito da serpente.


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Quando nos tornamos amantes de alguém, sem qualquer exigência, a relação viceja em paz.

O casamento para além de cercear a nossa liberdade, impõe uma renovação quotidiana, que não se compadece com a natureza da maioria dos homens.

É mais fácil atear o fogo da “paixão” de quando em vez, do que ser forçado a empreendê-lo quotidianamente.


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A felicidade não é a satisfação de todas as nossas inclinações. Estas, ou os desejos são infinitos.

A beatitude é um estado de felicidade em que qualquer perturbação não é inquietante, em que a sensação do indeterminado não é angustiante.

No êxtase não patológico, não há imobilidade e aniquilação das funções de relação.

Lembro-me com constância de um episódio ocorrido na Serra da Estrela, onde tenho vivido. 

O Sol matutino ainda doirava as pedras graníticas e resplandecia na vegetação rasteira salpicada de orvalho. Conduzia com lentidão o veículo todo o terreno por um caminho de terra batida, a cerca de 1500 metros de altitude, dirigindo-me para a “Santinha”. A atmosfera estava extraordinariamente límpida, como consequência do pequeno nevão da noite anterior. A Nascente sucediam-se até ao horizonte longínquas montanhas e serranias, num espectáculo deslumbrante, enquanto a Poente, a terra chã se estendia languidamente até ao mar, oculto pela lonjura. Chegámos ao Malhão e o João Pestinha agitou-se, fez menção de sair do jipe. Parei o veículo e o meu amigo de quatro patas saltou imediatamente, começando a correr em linha recta, mas sem destino ou objectivo. As suas patas pareciam não tocar o solo, e os movimentos do seu corpo em harmonia perfeita com o meio envolvente, não eram deste mundo. Havia beleza e unidade, um sentimento de vastidão e plenitude que transcendia todo o conhecido. O êxtase foi-me comunicado, e com ele, uma viva e energizante percepção da realidade que parecia infindável.


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Há o tempo cronológico, o tempo medido pelos relógios. Há também o tempo psicológico, que é uma ilusão, que pactua com um qualquer vir a ser sem existência autónoma.

Por causa dele, vivemos no futuro, aguardando transformações, melhores oportunidades, uma vida sem dor. Mas a felicidade não é uma dádiva do tempo, antes do silêncio da mente que não é obtido gradualmente por intermédio de qualquer método. Esse silêncio é instantâneo, imediato, e é inimigo do tempo, porque o faz findar.


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Para dissiparmos os estados negativos temos de os escutar atentamente no seu todo, sem esforço ou repressão.

Se no instante em que me encolerizo, torno agressivo, invejoso ou egoísta, percepciono o facto de forma total, instantânea e imediata, sem quaisquer reservas, numa mera constatação não valorativa, tais estados dissipam-se, são destruídos.

A nossa mente não se tornará lúcida enquanto não percebermos integralmente que estes estados são obstáculos à tranquilidade.


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Dizemos constantemente que devemos controlar a agressividade, o ódio, a ira, a inveja, o ciúme, o medo, o desejo. Estes estados emocionais são pensamento e o pensamento não nos é exterior.

Afinal quem controla quem? Eu a controlar o meu “eu”? Este, não sou “eu” mesmo?

Só na presença do “eu” há ódio, inveja, ciúme, medo e desejo.

É o pensamento que cria o “eu”. Sem pensamento não há pensador.

O problema fundamental é entender o pensamento. É fundamental percebê-lo, os seus múltiplos mecanismos, as construções mentais. Não paralisá-lo, mas escutá-lo, fazendo-o assim findar.


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Aquele que deseja vingar-se nunca conhecerá o repouso. 


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Ser-se natural é ser como a árvore frondosa que no silêncio da tarde deixa que lhe tirem os frutos e abençoa com a sua sombra todos os que a procuram, como a luz da candeia que ilumina a igreja e o presídio, o padre e a prostituta, o santo e o ladrão ou a chuva que alimenta e faz crescer o pão e as ervas daninhas.

Quem me dera que os meus dias fossem passados com a paz de uma flor, das paredes brancas da casa grande da colina a afagarem o Sol e a Lua, sendo o que sou por sê-lo, tal como a flor exala o seu perfume sem saber qual o seu odor e a parede a sua alvura sem saber a sua cor.


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Pensamos atingir a felicidade por intermédio da riqueza, do poder, do sexo, os três deuses eleitos da humanidade, camuflados por sentimentos hipócritas de generosidade, humildade e amor. Queremos ter prestígio, ser respeitados, venerados, conhecidos e ilustres em vida e até na morte.


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Qual é o sentido da vida?

Terá algum sentido em especial?

Ou não tem qualquer sentido?

A vida é um dom universal sem sentido particular ou especial. Tem de ser vivida, sentida intensamente, com paixão, em todos os momentos, em todas as circunstâncias. Tem de ser apreendida no seu fluir, no perpétuo movimento da complexa situação existencial formada pelo que é interno e externo.

Cada minuto é um diamante inigualável.


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Na vida impera o acaso. Um autocarro passa uma ponte no momento em que por desgaste de dezenas de anos se desmorona. Há a junção de duas causas: a vontade do motorista em conduzir os passageiros a casa por aquele itinerário e a deterioração mecânica da edificação.


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A impermanência é tudo o que temos. Posso contrair uma doença, ser atropelado ou ter qualquer outro acidente, o meu filho e a minha companheira podem morrer, uma guerra pode destruir o meu país, um meteoro a Terra e um qualquer fenómeno desconhecido a galáxia ou o universo.


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Queremos ser prestigiados, famosos, célebres entre os célebres e escondemos quem somos.

Falta-nos a franqueza da criança, a realidade da árvore, do mar, das estrelas e mentimos. Mentimos sempre, porque temos medo, de desagradar, de ser rejeitados, de ficar sós.

Iludimos os outros e com o hábito transmudamos essa ilusão em verdade, iludindo-nos a nós mesmos.


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A liberdade é um estado positivo e a adequação, negativo. A escravidão psicológica dos que procuram agradar para satisfazer o capricho doutrem, destrói o amor, cujas pétalas desabrocham quando o nosso ser não é violentado.

Só ama quem é livre. Só ama quem concede liberdade à pessoa amada.


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