O PENSADOR

O PENSADOR
RODIN

domingo, 21 de abril de 2024

AFORISMOS E REFLEXÕES BREVES XIII


***


Se o sofrimento psicológico deve ser escutado, também a dor física deve ser cuidadosamente percepcionada sem que o pensamento interfira. O envolvimento psicológico com a sua intensidade, localização e desconforto apenas a fará agravar.


***


As nossas vidas estão vazias de paz e de amor e plenas de tormentos. Um sofrimento psicológico atroz que consome todas as nossas energias.


***


Onde há apego nasce o sofrimento. Onde há sofrimento não pode existir afeição e amor.


***


Observar o sofrimento, o medo, ou qualquer problema é fazê-lo cessar, e no seu findar está o Amor de amplo seio.


***


Descobrir a causalidade do medo não nos livra dele. Sabemos que reagimos de uma determinada forma a um certo objecto ou situação, mas a revelação do incidente traumático não resolve o problema, pode minimizá-lo por intermédio da racionalização, mas não o extingue.

Só a sua observação sem recurso ao pensamento o pode fazer cessar.

Temos de o escutar em todas as suas peculiaridades sem o comparar ou interpretar, alheios ao fenómeno do tempo.

A aprendizagem acerca do medo é obtida através da auto-observação, não de estudos psicológicos ou das experiências pessoais de alguns.


***


O autoconhecimento, ao conduzir-nos à profundidade do ser, destrói os deuses dos homens, as religiões, as filosofias, os partidarismos. Mostra a sua futilidade e origem, que se estriba no medo de estar só e da morte.

Leva à extinção dos condicionamentos. Esta, à liberdade, que por sua vez conduz à criação explosiva, a que só as crianças e os puros têm acesso.


***


A nossa civilização criou conceitos irreais e ilusórios de amor, fruto da actividade mental. Nesta perspectiva ele é prazer, desejo, medo, ódio, ciúme, posse, ambição, apego, dominação, uma longa e pesada cadeia de argolas de aço que em vez de unir, dividem. É a angústia, o iminente sentimento de perda da aquisição passageira. É triste e contente, extasiante e depressivo, riso e lágrimas, memória do bom e do mau, do agradável e do desagradável. Na maior parte das vezes, dor psicológica.


***


Liberta os outros para que sejam quem querem ser, para serem quem são.

Liberta-te para seres quem és.

Ama e sê quem és. O amor dispensa os preceitos éticos.


***


O amor é sensibilidade e paixão, que incide sobre pessoas e coisas, observadas como são, indiscriminadamente, de forma espontânea e gratuita.

Não é exclusão.

É uma bênção derramada sobre a totalidade da vida, nascida do silêncio, sem os limites do espaço-tempo.

É ser feliz, mesmo sem o concurso dos outros.


***


Chove lá fora. O vento com rajadas violentas fustiga as portadas, transportando as gotas de chuva a uma velocidade impressionante. O som do embate é um crepitar metálico.

A intensidade da tempestade varia. As previsões são más, os serviços meteorológicos e a protecção civil advertem para uma madrugada de tormenta.

Não ouço o vento e a chuva, nem vejo a beleza do temporal. O meu pensamento absorve-me. Receio que a água inunde o sótão, que qualquer objecto impulsionado pelos ares parta as vidraças, que as telhas possam ser arrancadas. Temo a calamidade, a destruição parcial da casa.

Cada rajada é uma aflição, cada bátega de água é angustiante.

Este medo que não é verdadeiramente real, que é pensamento, não me permite observar a tempestade tal qual é.

Ao perceber o mecanismo do pensamento, o cérebro silenciou e o vento e a chuva deixaram gradualmente de ser temor e ansiedade para serem chuva e vento em toda a sua plenitude e beleza.


***


Há momentos da nossa existência, em que a contemplação de um pico nevado, de uma torrente de águas cristalinas, de um rosto de criança produz a ausência do “eu”.

Nesse estado de quietude onde se transcende o conhecido para absorver o sempre novo, há sensibilidade, beleza.

Para que esta se manifeste não podemos existir como individualidade.

O “eu” é um agente infeccioso, uma doença que se transmite ao que observamos contaminando a sua essência.

Quando olhamos uma árvore, uma flor, sem a presença do “eu”, libertamo-nos das teias do espaço-tempo e penetramos na eternidade.


***


É pela meditação, pela observação pura e simples, que podemos descobrir o que está para além do pensamento, do espaço-tempo. É o único modo.

A razão só tem tornado complexo o que é simples ao amontoar século a século teorias e doutrinas contraditórias e paradoxais.


***


Meditar é ver, ouvir, sentir, cheirar, saborear as coisas como elas são. 

Meditar é atenção global, não é concentração, fruto de exercícios mentais obnubiladores.

Ouço o canto dos pássaros, o vento na vegetação, a água corrente, os que me falam, vejo as nuvens no céu, o despontar do Sol, o brilho das pedras humedecidas pelo orvalho da manhã, os rostos dos camponeses. Observo os meus pensamentos e toda a minha consciência descendo até aos mais recônditos e obscuros lugares. Saboreio os frutos e demais alimentos, inalo os mais variados aromas.

Sentir o vento, a chuva e o sol no rosto e nas espáduas no seio da natureza sem o alvoroço do raciocínio é meditação.

Tudo de uma vez só, de forma total, como a própria vida.

Com esta atenção vigilante, que é sensibilidade à existência, o pensamento silencia-se.

A meditação, para além de pressupor autoconhecimento, pressupõe também isenção de condicionamentos. A observação do pensamento, de todos os seus subtis movimentos e de tudo o que nos rodeia, sem comparação ou julgamento.

Não implica controlo, mas atenção, que não desvirtua a realidade do que é observado.

A meditação começa com o autoconhecimento. Temos de observar todos os nossos pensamentos, emoções, sentimentos. Esta vigilância levará ao silêncio. Neste, o inconsciente projecta sugestões, carências, o que conduz ao conhecimento do indivíduo na sua integralidade.


***


Vou no comboio. Estou atento às sensações corporais, à conversa dos passageiros ao meu lado e ao rumor da fala dos mais afastados, ao ruído das rodas que deslizam nos carris, ao deslocamento do vento. Vejo as hortas, as árvores, os túneis, as casas, as pessoas e seu afã, a névoa que abraça os vales, os animais que pastam. Estou sensível aos balanços e impressões que corporalmente me causam, à alteração dos sons, ao apito, aos múltiplos verdes e ocres, às nuvens escuras no céu, às gotas de chuva na janela. Observo as expressões dos outros viajantes e os meus pensamentos quando surgem.

Que quietude advém de tudo isto.

E quanto maior a atenção, maior a quietude.


***


Concentração é esforço dirigido. É a tentativa de aquietar a mente com as suas inúmeras tagarelices, pela repressão e pela violência.

É conflito, na medida em que tentamos iludir a distracção que retorna sempre, de forma mais ou menos insistente.

Estar atento, ao contrário, não é esforçar-se nem usar desnecessariamente a memória, esgotando o cérebro, extirpando-lhe a vitalidade e energia tão necessárias à existência quotidiana. É poisar a mente, os sentidos sobre nós e tudo o que nos circunda, é vigilância passiva integral.


***


Quando há atenção, não há eu, nem o outro, não há observador e objecto observado, porque o pensamento se dissipa.

Se realmente atentos, o pensamento cessa.

Observamos um milhafre na sua caçada implacável, o voo gracioso de uma ave, o olhar terno de uma criança, a passagem de um comboio na gare, um deslumbrante pôr-do-sol e ficamos apenas com o facto. Compreendemos o que se está a passar imediatamente. Não há pensamento, mas compreendemos. O cérebro está tranquilo, sem tagarelar, pleno de energia, e entende sem pensar.

O mesmo se passa com qualquer problema. O entendimento é libertador.


***


Quando observamos o pensamento e o seu movimento, numa vigilância passiva, sem condenar, justificar, interpretar, sem fugir dele recalcando-o ou sublimando-o, este tende a parar.

E, nesse estado de escuta passiva, se observamos o que nos rodeia, sem a sua contaminação, transcendemos o espaço-tempo, porque só existe o instante, o agora.


***


A aprendizagem psicológica não passa pelo estudo de livros, pela troca de conhecimentos, mas pela observação dos nossos pensamentos e acções.

Não é isso que fazemos. Somos cidadãos de segunda sempre dispostos a redizer, a citar as autoridades na matéria, incapazes de aprender a partir do nosso espírito.

Não nos esforçamos seriamente viajando no mais recôndito do nosso ser. Aproveitamos as viagens dos outros, que na maior parte das vezes se limitaram a viajar em viagens alheias e assim sucessivamente.


***


Quando damos nome a uma coisa, não a definimos, muito menos descortinamos a sua essência, que é o que faz que um ser ou objecto sejam uma coisa e não outra diversa ou semelhante.

As palavras não são as coisas. Porventura, não terão um significado, mas vários usos.

A palavra rotula o que vemos e faz com que os acontecimentos e circunstâncias da vida quotidiana não sejam originais e extraordinários. Ver não é formar juízos ou opiniões, analisar, imaginar ou interpretar; ver é observar sem que se recorra ao pensamento destruidor, é galgar as barreiras do espaço-tempo de um modo espontâneo e instantâneo, que nunca se reitera para que o novel possa florir e frutificar em cada momento.


***


A lagoa que agora observo tem o seu ser próprio independente de todas as outras que conheço. Para a contemplar plenamente tenho de morrer para as imagens que dela retive noutros momentos e para as de outras lagoas que porventura já tenha visto, porque é nova, sempre nova, a cada instante.

Se pretendermos reter em memória o prazer do que vemos, escutamos, sentimos, acabamos por multiplicar os desejos. A vontade de repetir um prazer gera ansiedade, sofrimento.


***


Quando vemos alguém ou alguma coisa, memorizamos essa imagem, normalmente carregada de juízos de valor ou desvalor.

O pinheiro do meu jardim é alto, imponente, com um tronco grosso e bem torneado. A casa, a mulher, os filhos, os conhecidos, tudo o que tocamos, de todos formamos imagens. Passo pelo pinheiro, olho a minha casa, a minha mulher, já não os vejo como são nesse preciso momento, mas antes a imagem que deles tenho ainda que ligeiramente alterada por qualquer circunstância chamativa.

Olhar as coisas, recorrendo mentalmente a comparações, inviabiliza a contemplação.


***


Precisamos de um cérebro lúcido, vivo. Para isso concorre a observação com o concomitante desenvolvimento dos sentidos, a percepção não interpretativa do desespero, da angústia, do desejo, em suma do sofrimento.

A percepção situa-se entre a sensação e o conhecimento. Saio à rua no Inverno com temperatura negativa e ventos fortes. Tenho a imediata sensação do frio. A esta sucede-se a percepção do facto de que tenho frio. Depois vem o conhecimento de que estou na Estação mais fria do ano, que os cumes da serra estão gelados, e como tal, o ar frio desce à terra chã, onde os ventos vindos de Espanha fazem o frio parecer mais frio.


***


O nosso cérebro está contaminado pela educação, religiões, autoridades políticas, administrativas e judiciárias, pelos conhecimentos que vamos acumulando na mira da perfeição. No entanto, não é ela visível no horizonte. Há apenas um mar de limitações na direcção da miragem do infinito. Como somos tolos e incapazes não obstante pisemos altivamente a rosa-dos-ventos na margem do rio, invocando descobrimentos, explorações, vitórias bélicas. A história da humanidade é um desfilar de agressões, crueldades, mais guerras do que anos, hipocrisias, cinismo, falsa modéstia, autocaridade, corrupção, aproveitamento próprio, salpicada de breves e esporádicos momentos de verdadeira compaixão, em que alguns homens, raros como parece convir a este planeta de predadores, purificados da avidez, da inveja e da ambição, souberam na plenitude do auto-esquecimento espontâneo, derramar indiscriminada e gratuitamente o seu olhar nos outros.

Pelo cérebro reflectimos, reconhecemos o prazer e o sofrimento, a morte e a vida, vemos o mundo como um outro relativamente a nós, o que implica o reconhecimento de cada um como “eu”. Pelo cérebro, extorquimos, matamos, violamos, mentimos, enganamos. Pelo cérebro, damos esmolas, acarinhamos os necessitados. Pelo cérebro construímos hospitais, abrigos, tanques, bombas e escolas. Pelo cérebro estamos. Pelo cérebro somos; nós, apenas nós, inseguros, indefesos fóbicos de neuroses ancestrais. Por isso, somos isso, que nem isso é, por não sabermos quem somos. Só quando não somos, somos todas as coisas. Quando não somos, o embrião da vigilância estremece, desperta, fica alerta.

Esta vigilância passa pelo renascer dos sentidos para uma existência intensa, visão purificada das coisas, escutar límpido dos sons e do silêncio, na ausência possível do intelecto. Mesmo que a filosofia seja um acto de pesquisa desinteressada, liberto da tradição, de qualquer crença, de qualquer ideia e costume, não deixa de conter em si as limitações do seu único guia que é a razão e da própria matéria; o pensamento é matéria e nós transformamo-lo no que queremos, coisa horrenda ou bela, justa ou imoral, feliz ou sofrível, verdade ou não. O homem pode procurar a verdade para além das aparências, do estabelecido, mas quanto mais energia consome nessa busca, mais longe fica do objectivo. É como uma embarcação a navegar num planeta onde não haja em nenhum dos seus pontos terra ou algo que não seja oceano; nunca encontra destino, ainda que defina meticulosamente um rumo ou percorra todos os possíveis. Muitos são os candidatos a capitanear esta nau pelas águas da desesperança, por tormentos nunca sonhados, mas a ilusão aniquila a realidade e o desejo a verdade, que é só uma: não há caminho..., não há caminho...


***


Vivemos na ilusão de que necessitamos dos outros e da sua aprovação para sermos felizes. A felicidade não advém de qualquer relação, mas do nosso interior.

Está em nós. Procurá-la no meio envolvente é o mesmo que pescar num lago seco. As mudanças de situação e a satisfação dos desejos são panaceias temporárias.

Está no que sou, não no que tenho ou no que quero vir a ser. Somos quem somos, e se virmos quem somos a espiritualidade manifesta-se e inicia-se uma modificação radical e sem esforço do que é.

É bom viver sem mais. Não querer nada, não querer ser nada.

A ataraxia, tranquilidade do espírito, não deriva do conhecimento ou do esforço para atingir a sabedoria. Deriva da ausência de pensamento.


***


Só conhecemos um tipo de paz: a que surge esporadicamente após desassossego emocional. E mesmo esta é relativa. Depois da tempestade o sentido da bonança é exaltado, na extinção total ou parcial da dor há um prazer sobrevalorizado.


***


A nossa existência é enformada por múltiplos medos. Medo das doenças, da dor, da pobreza, de perder os entes queridos, de não ter prestígio, de não encontrar um sentido para a vida, medo de estar só, medo das multidões, de exames, de entrevistas, de não agradar, da guerra, de ter um acidente, de morrer e o medo do próprio medo.


***


Pela memória recuamos ao passado.

O eterno agora não é experimentado como o que passa, mas como algo que é desde sempre e o será no porvir.

Onde há silêncio não há passado, presente ou futuro, não há tempo. 

Na atenção não há tempo, mas um estado de acção altamente sensível na sua intemporalidade.


***


Desejo e amor caminham de costas voltadas um para o outro.

Não ter ambições nem desejos é um modo de solidão e solidariedade.

Se morremos para o passado sem pretender a repetição de experiências agradáveis haverá júbilo nos nossos corações.


***


Quanto maior o progresso, maior o número de desejos. Quanto maior o número de desejos, maior o sofrimento, enquanto não se satisfazem e depois de satisfeitos.


***


O autoconhecimento leva à quietude da mente, uma quietude sem motivo. Quanto mais quieta, mais se manifestam as camadas profundas da consciência, levando à compreensão total do nosso ser.

No autoconhecimento produtivo, em que a mente silencia as correntes do pensamento, a rememoração é espontânea, por ser a sua própria causa e estar isenta de condições, não havendo assim que provocar a anamnese.


***


A ânsia de preenchimento é fonte de dor. A necessidade de ser preciso e perfeito é doentia. Apenas o hábito é passível de aperfeiçoamento.

Ser o que não se é, é hipocrisia, fuga à realidade.


***


Há o conhecimento que incide sobre objectos do exterior e o que se debruça sobre os pensamentos, sentimentos e fenómenos vegetativos internos. Quando escuto o pensamento não necessito de ficcionar qualquer separação entre o ego e uma qualquer outra entidade, tal como o “Eu superior” a agir a título de observador. Observador e observado são uma única pessoa.

A introspecção, que é análise realizada pelo próprio indivíduo relativamente ao conteúdo da sua consciência, é perniciosa por separar o observador do observado. A análise decompõe o todo no que consideramos os seus elementos e destrói o indecomponível.


***


Somos quem somos e nessa descoberta fundamental que envolve o desvendar da estrutura da consciência e a percepção da efemeridade das nossas realizações, da frustração resultante da não satisfação dos desejos, dos caminhos do prazer e do sofrimento, estaremos a modificar-nos, sem saber que o fazemos ou sem querermos que tal aconteça.


***


Estamos habituados a divagar mantendo a mente ocupada com ninharias, obsessões, fantasias, projectos e recriminações, sem que tenhamos viva consciência disso. Essa turbulência mental envenena a nossa existência, mas nada fazemos para a fazer cessar, bem pelo contrário, alimentamo-la abundantemente como fazemos com o fogo no Inverno rigoroso.


***


O estado de vigilância permanente não é fácil. É algo que se vai construindo até que se torne numa actividade mecânica como o respirar. No princípio pode parecer uma tarefa espinhosa. Mas é com um espinho, que da carne se retira outro espinho, e quando este for extraído, rejeitam-se os dois.


***


Ouvir o sofrimento é levá-lo às últimas consequências, deixar que se manifeste na sua totalidade, não cerceando o seu movimento mental próprio, as questões e conclusões a que conduz.

Se lhe estivermos atentos, ou seja, se o olharmos integralmente em toda a sua complexidade sem que o pensamento se imiscua nessa atitude, percebemos que esse sofrimento é criado e sentido por nós, que não é diferente de nós, e sem que o queiramos reprimir, dominar ou controlar, ele cessa, surgindo a paz, o amor, a sabedoria.

É fundamental ouvi-lo, compreendendo a efemeridade da sua existência, que depende apenas do pensamento, suas manhas e artifícios.


***


A paz não pode florir enquanto vicejarem os nossos condicionamentos. Somos o resultado de séculos de restrições e conceptualização ético-religiosa, da educação que recebemos, de normas sócio-jurídicas, das nossas experiências. Enquanto os condicionamentos não forem destruídos a felicidade não se pode manifestar, já que a existência daqueles é causa determinante do sofrimento psicológico.


***


A ambição, a ânsia de prestígio, geram o sofrimento. Não nos deixam ser. Agitam-nos, inquietam-nos e impulsionam-nos para a contradição do vir a ser. Só aquele que é, vive. O que quer ser algo fica enredado nas malhas da dor.


***


Olho para uma mulher. Contemplo um rosto, lábios carnudos, olhos rasgados de longas pestanas, um sorriso aberto de dentes alvos contrastando com o negro dos cabelos, seios firmes, linhas onduladas e insinuantes de corpo em gracioso movimento.

Esta a resposta sensorial ao objecto da visão, o que é perfeitamente natural.

Depois entra em acção o pensamento. Imagino-me com ela, beijando-a, acariciando-a, consumando o acto.

É assim que floresce o desejo, impulso premente, em regra prazer originário da actividade mental.

Dizem que temos de nos libertar dele, controlando-o ou destruindo-o. Mas quanto maior o esforço nessa direcção mais o consolidamos. Vejam as inglórias práticas de sacerdotes e monges, que acabam por aniquilar a beleza, o amor, reforçando os pensamentos “obscenos” e favorecendo práticas “aberrantes”.

Não se pode terminar com os desejos sem mais, reprimindo-os. Só a escuta passiva os pode fazer cessar. Alguns – os afectivos – são mais prementes e quando têm uma componente orgânica, são extremamente insistentes.

O desejo é um movimento emocional que se apodera da mente de um sujeito por atracção de um determinado objecto. É mais do que necessidade, já que admite de modo constante mecanismos substitutivos e tem a avidez de não se deixar saciar.

É em essência infinito e mesmo os que apregoam a sua destruição, desejam: o Reino dos Céus, o Nirvana.


***


O paraíso e o inferno são criações de mentes aturdidas. Somos nós que os transportamos connosco, sendo respectivamente a ausência e a existência de pensamentos.


***


Quando o pensamento cessa, o “eu” desaparece, deixamos de existir e nesse estado magnífico sem sofrimento passa a existir a Verdade, a Beleza, o Amor. Só há perturbação onde existe o “ego”, que é sucessão de pensamentos. Estes incomodam tanto como o brinquedo que a criança sabe que vai receber no dia seguinte e a impede de adormecer.


***


O espanto do filósofo perante o mundo é destruído pela cogitação.

O universo tem os seus limites no espaço-tempo, é divisível em partes, ou até ao infinito?

Há uma liberdade moral ou o conhecimento das causas implica obrigatoriamente o do seu efeito?

Há um “ser” necessário ou apenas entidades contingentes sujeitas a um porvir imprevisível?


O pensamento não pode atingir uma verdade geral. Em primeiro lugar porque é limitado. Depois, porque qualquer atitude que assuma um juízo como verdadeiro é absurda face à inexistência de um critério único de certeza.


***


Os homens convencem-se até ao momento da morte que o sentido da vida é o “ter”. São como crianças criadas no meio de lobos. Nunca descobrem que podem andar de pé e resignam-se a caminhar em quatro patas.


***


Um único e acidental momento de pânico mostra-nos imediatamente a precariedade e instabilidade da existência. É susceptível de destruir no homem toda a sua aparente grandeza, projectos, ilusões, desejos e alegrias.


***


Se o homem estivesse certo da imortalidade da “alma dos justos” ou da sua sobrevivência temporária à morte, proporcionalmente ao mérito das acções e intenções, o mundo seria totalmente diferente. O egoísmo, materialismo, guerra, fome e violência, seriam excepções e não regras.

A sua essência é até certo ponto o interesse próprio.


***


Vivemos em perpétua insegurança porque não somos como os pássaros do céu ou as flores do campo. A insegurança é pensamento e só existe enquanto este existir e na sua dependência.

É sábio quem sente a efemeridade.


***


As agressões do meio familiar e social desencadeiam excitações emocionais que têm de ser imediatamente descarregadas sob pena de provocarem perturbações duradouras. Não podemos viver em paz, se os nossos corações estão infectados por insultos e ofensas.


***


É preciso dizer sim, quando o sim se impõe e não quando o não se impõe, mesmo que isso faça perigar a nossa comodidade, estabilidade ou até a própria vida.


***


Estar desacompanhado é o princípio da libertação. É fantástico não contar com nada nem com ninguém para enfrentar uma crise, resolver um problema, ultrapassar um obstáculo.

Numa primeira observação, parecemos nascer para a família, para a sociedade. Mas, nascemos para nós e morremos sozinhos.


***


Para os materialistas não existe outra realidade para além da matéria e o pensamento resulta dela.

No entanto, os arbustos e pedras que vejo reflectidos nas águas do lago são reais. Real o objecto, real o reflexo. Real a árvore, real a sua sombra.


***


Olhos, ouvidos, nariz, boca e mãos são os instrumentos que conduzem à realidade. À nossa realidade, percepcionada parcelarmente por via das limitações impostas pelos nossos sentidos.

O mundo não tem uma existência absoluta, tal como o vemos e sentimos. Existe em relação com a nossa mente. Se tivéssemos mais um sentido aparecer-nos-ia duma forma totalmente diferente. 


Dêem-me mais um sentido e transformarei o universo, farei cair filosofias, destruirei crenças.

No entanto, quando não há “eu”, a Realidade é o que é: Verdade, Beleza, Paixão, Amor.

Quando não somos isto ou aquilo, somos todas as coisas.


***


O homem para além de estúpido, é o único ser vivo na superfície terrestre que necessita de trabalhar, porquanto na sua crassa boçalidade inventou o trabalho. É indubitavelmente o animal mais estúpido do planeta.


***


Só o “ser” é válido. Por isso o que aprende a viver com os recursos disponíveis, não se angustia na escassez e não se vende aos poderosos.


***


Quando olho as águas da pequena barragem do alto da montanha, espanto-me. Se posteriormente permito que o pensamento interfira, gero prazer ou desagrado.

A beleza está no que é. Na realidade a que não necessitamos de adicionar ou subtrair seja o que for para a tornar mais bela ou menos feia.


***


Tantas estrelas no céu profundo, tantas montanhas recortadas pela luminosidade resplandecente da aurora, águas cintilantes, vales verdes de plantas ondulantes, e tanta baixeza, pequenez, farsa, impostura e falsidade.

Há uma alienação generalizada. Falamos de paz, caridade, humildade e multiplicamos as guerras, a ambição, o desejo de poder e a necessidade de prestígio. Dizemo-nos solidários e vamos aperfeiçoando o armamento enquanto milhões morrem por carência dos bens mais elementares. Dizemo-nos desapegados e reacendemos a luta pelos bens materiais minuto a minuto.

Os políticos com as suas gravatas brilhantes, bolsos repletos de influências e patrimónios usurpados, prometem uma sociedade mais justa sem fome e miséria. As suas coniventes damas envergando roupagens de valor avultado, com exuberantes colares e pulseiras angariam fundos para os desfavorecidos. Tantas lágrimas vertidas, tantas palavras derramadas e gestos pseudocaridosos ensaiados em benefício da autocompaixão.

Todos criticam a guerra que mata e estropia inocentes, mas poucos se inclinam para beijar a face das crianças, dos homens e mulheres que nos campos de refugiados aguardam lentamente a morte em segredo para não doer, excepcionando-se obviamente os períodos de propaganda eleitoral.


***


Viver no mundo sem ser do mundo, caminhar só na vereda da vida com o abismo à espreita, soltar amarras, içar a vela grande e partir rumo ao nada, sem temer a tempestade nem desejar a calmaria, conscientes de que nenhuma pessoa ou coisa terá o poder de nos dar ou retirar a paz e o amor. Eis o segredo.

No entanto, caminhamos presos em liberdade. Livres para calcorrear estradas, campos, cidades, e presos aos nossos condicionamentos e experiências.


***


Na origem não temos pensamentos. O estado que os separa é quietude, silêncio. O silêncio é um estado que transcende a palavra e o pensamento, é a eterna eloquência.


***


Quando a mente está despojada porque o pensador já não pensa, há tranquilidade, há paz. Quando está silenciosa, pode então penetrar num mundo que em muito a excede.


***


AFORISMOS E REFLEXÕES BREVES XII


***


É preferível estender o nosso conhecimento a um pouco de tudo, do que ter a veleidade de tudo saber de uma parte do todo. A especialização transforma o homem num asno estereotipado que apenas conhece o caminho para o moinho, transformando-o num invisual da sabedoria.


***


Concordamos com Pascal quando diz: “Alguns autores, falando das suas obras dizem: “O meu livro, o meu comentário, a minha história, etc.”. Cheiram a burgueses com bens de raiz, e sempre com um “em minha casa” na boca. Fariam melhor em dizer: “O nosso livro, o nosso comentário, a nossa história, etc.”, visto que de ordinário há nisso mais mérito alheio do que próprio”.

Vamos mais longe. Mesmo quando queremos dizer “eu” deveríamos dizer “nós”.


***


Os psiquiatras, “traficantes” de drogas lícitas, nas suas consultas apresentam-se-nos com uma serenidade imperturbável. Mais do que ciência médica, possuem o engenho e arte de esconder as suas neuroses e inquietude. Acautelai-vos pois, não seja um louco confirmado, que não vos curando ainda agrave os vossos sintomas, com o inconveniente de esvaziar progressivamente os vossos bolsos.


*** 


Um avião incendeia-se em plena pista. Não há sobreviventes.

Foi um mero acidente fruto do acaso?

Foi obra do destino?

Tem uma causa próxima?

E uma causa remota?

Terá sido uma mera coincidência?

Afinal, a queda dependeu especificamente de quê?

Da nossa mente.

Temos um facto, apenas um facto: um avião que se despenhou falecendo todos os seus ocupantes.


***


Às conversas fúteis e ignóbeis prefiro a solidão e o silêncio e, para expressar profundas reflexões, economia de palavras. Não vá deixar de ver as árvores por causa da floresta ou a floresta por causa das árvores.


***


Os desejos são infinitos. O seu número aumenta proporcionalmente à sua satisfação e a insaciabilidade com esta.


***


A santidade é a observação continuada de nós mesmos e do que nos rodeia.

“O que vale a minha vida? No fim (não sei que fim)

Um diz: ganhei trezentos contos,

Outro diz: tive três mil dias de glória,

Outro diz: estive bem com a minha consciência e isso é bastante...

E eu, se lá aparecerem e perguntarem o que fiz,

Direi: olhei para as coisas e mais nada.

E por isso trago aqui o Universo dentro da algibeira.

E se Deus me perguntar: e o que viste tu nas coisas?

Respondo: apenas as coisas... Tu não puseste lá mais nada.

E Deus que é da mesma opinião, fará de mim uma nova espécie de santo.” (Fernando Pessoa)


***


Sentado no quarto da Quinta do Crestelo, a Serra impõe a lareira acesa que o frio mais parece de Janeiro do que de Abril, uma catarreira de que já não possuo lembrança e escrevo apenas, logo depois de terminar o artigo sobre a Gripe Suína – agora com pompa e circunstância denominada gripe A (H1N1).

E penso que um homem com gripe mais se parece com uma carpideira.

Um homem com gripe

E uma carpideira –

Não vislumbro diferença.

Estes versos fizeram-me lembrar um poema que relata as desventuras de um homem com gripe. Remexo as minhas notas, papeis amarelecidos pelo tempo e encontro-o um tanto amarrotado. É do Lobo Antunes.


***


Para atingir o desconhecido não podemos partir do conhecido. Temos de esvaziar a mente do seu conteúdo histórico.

A eternidade concretiza-se no silêncio que não é procurado.

Se o buscares não o encontrarás, se implorares não o acharás. Ele é liberdade absoluta que se manifesta no não condicionamento, na ampla abertura de espírito daquele que apenas é e nada procura ou quer vir a ser. Jorra gratuita, espontânea e esporadicamente nos pobres em espírito e não nas mentes torturadas dos filósofos, dos intelectuais e dos que por métodos mais ou menos expeditos se esforçam por o encontrar.

Não está em particular na igreja, na montanha, nos livros sagrados. Está onde nós não estamos, existe quando não existimos, não tem continuidade, não pertence ao espaço ou ao tempo, é existência pura, incomensurável e intemporal.


***


Absoluto é o que está para além de todos os limites. O Absoluto prescinde do limitado e só o atingiremos quando nos libertarmos das teias do espaço-tempo, o que apenas se torna possível com a cessação do pensamento e consequente aniquilação do “eu”.


***


A criação do novo pressupõe a inexistência de condicionamentos e de motivações externas ao acto de criar.

Pintar um quadro, compor uma peça musical ou fazer uma escultura, nesta perspectiva, não é exprimir o conteúdo da nossa personalidade, nem actividade psicológica compensatória de qualquer complexo de inferioridade, necessidade de agradar, busca da sobrevivência ou enriquecimento. É explosão de liberdade, é inocência.

A criação no verdadeiro sentido da palavra tem a sua origem no novo. Não define a personalidade e carácter do criador, a sua “escola” ou grupo a que pertence ou qualquer motivação lucrativa.

A criação só existe na liberdade integral, quando se está livre de tudo, até da própria busca dessa liberdade.

Quando não criamos, nem queremos criar, desponta a criação com toda a sua força e exuberância.

Para que haja criação, tem de haver liberdade de tudo o que nos condiciona, de tudo o que nos prende a concepções, dogmas, teorias, ambições e competição.


***


O amor não é prazer, nem sofrimento, não é pensamento. É um sentir intenso, apaixonado, sem pretensões. Nele não há posse, domínio ou contrapartida.

Temos de observar tudo o que não é amor, o ciúme, o ódio, a ambição, os apegos, e por esta via provocar sem esforço a extinção destes estados negativos.

Para atingirmos a paz e o amor temos de compreender totalmente o sofrimento psicológico e o medo.

Quer a paz quer o amor, são estados indefiníveis, espontâneos e gratuitos, que nascem da dissolução de tudo o que a eles se opõe.


***


A meditação é a única coisa que vale a pena se é com ela que termina o sofrimento.


***


É com paixão que temos de ver o rosto dos transeuntes, a beleza dum vale verdejante, de uma árvore, de uma flor, uma rua suja na cidade grande.

A observação da vida é feita de forma global, porque ela é una e indivisível.

A observação parcial, que é concentração, distorce a realidade, distorce a sua essência e vitalidade e induz-nos em erro.


***


Cada um de nós pensa em deus, segundo o seu grau de “maturidade espiritual”.

É sinónimo de princípio único: da existência, da causalidade e de qualquer finalidade.

O pensamento criou as religiões, as práticas religiosas, os livros sagrados e deus. Aquelas não são caminhos para este. São muros que têm de ser derrubados até que não fique pedra sobre pedra, nenhum resquício de construção mental, e a planície surja num amplo espaço de liberdade sem reservas, erigida em amor universal.


***


Diz-se que a questão das questões do universo se prende com a existência de Deus.

Mas, a verdadeira e interessada questão para o homem tem que ver com a eventual existência da “vida” para além da morte, porque a primeira não responde a esta, referindo-se à possível imortalidade da alma.

Da alma do ser humano, já que somos demasiado egoístas para nos preocuparmos com os animais e com as suas também hipotéticas almas.


***


Quando o sangue deixa de correr no corpo e o cérebro se cala definitivamente, o conhecido acaba e começa o novo.

A vida renova-se com a morte.

Para viver precisamos morrer.

Morte e vida são a mesma face da mesma moeda.


***


O sono profundo é uma morte temporária. A morte um sono prolongado que mergulha no nada absoluto.


***


Os mortos não choram, são os sobreviventes que os choram ou se choram a si mesmos.


***


Transformámos o sexo num problema imenso. No entanto, o problema não reside propriamente no acto, mas no pensamento que o alimenta.


***


A vida é beleza e amor. Não tem sentido, finalidade. Tem de ser vivida instante a instante, em absoluta plenitude.


***


Recalcar ou sublimar os desejos é negar a beleza.

Na mais frágil das flores, está o poder e energia, a beleza e o amor, de todo o universo.


***


Intuir, é percepcionar de imediato a essência das coisas que nos são exteriores ou que constituem o conteúdo da consciência.

Despidos de imagens, preconceitos, ideias, podemos experimentar e entender o novo.


***


Ter paz significa livrar a mente de todo o pensamento, conduzindo-a ao estado de consciência pura.


***


A paz que houver em ti transmite-se aos que te rodeiam.


***


Morrer para o passado é também morrer para os sentimentos de culpa, para a vergonha de actos pretéritos, para os medos e ilusões.

É começar sempre de novo, imaculadamente.


***


“Ser uma coisa é não ser susceptível de interpretação.”

No ver somente, na percepção pura que não envolve o pensamento, não há continuidade. Na inexistência desta, não há sofrimento, há amor.

Ver alguém ou alguma coisa no momento presente é morrer para todas as ideias e imagens que possamos ter guardado em memória referentes a esse alguém ou coisa.

É não contagiar o objecto da visão.


***


Este mundo é um poço de infelicidade, de que a maior parte das vezes nem sequer temos consciência.

Estamos mergulhados na dor, ansiedade, desejos e medos que paradoxalmente tememos perder por ser a única realidade que conhecemos.


***


Se o compreendo e o pensamento não sabe que observo a flor e suas pétalas rosadas, as folhas verdes salpicadas de orvalho, há tranquilidade.


***


Sejam quais forem as desilusões a que formos sujeitos devemos saber morrer inteiramente para as mesmas. Para viver é necessário morrer. No renascer está a paixão, o amor.


***


O sofrimento é causado pela actividade mental. O sofrimento é pensamento. Pensamento que julga ou compara.

Aquilo que é, não é fonte de prazer ou de dor. É apenas como o gato que dormita ao sol e a flor que recebe o orvalho matinal.

Se escutarmos o penar em que estamos sem o comparar com factos passados, sem o interpretar, não o aceitando ou negando, acabará por desaparecer. O autoconhecimento dissipa-o.

Pensar no medo é nutri-lo, fortalecê-lo, consolidá-lo, enquanto a pura observação do seu curso o faz findar.

Há que o olhar em liberdade, sem a contaminação do pensamento e da memória, com as suas experiências passadas.

O medo desabrocha no espaço que medeia entre o viver e o morrer e só tem existência nessa continuidade que é pensamento.

Onde não há pensamento, não há padecimento, não há medo, não há morte, antes um viver ágil e intenso que não tem móbil ou justificação.


***


Quem pelo autoconhecimento atingiu todas as camadas da sua consciência, leu o grande Livro da Vida, não lhe sendo exigível qualquer leitura de natureza psicológica.


***


Se instante a instante nos estamos a conhecer observando-nos, surge a sensibilidade, nasce a bondade, sem que tenham importância os erros e culpas do passado. No instante presente, não há lugar para o passado, sob pena daquele ser destruído na sua essência. Na observação da mente é fundamental que o passado deixe de existir.


***


Repugna-me matar um animal. Repugna-me matar um ser humano, bem como a pena de morte. Fazer sofrer qualquer ser.

Por isso também me repugna deixar sofrer horrivelmente qualquer entidade viva, o próprio homem, em estado terminal, sem esperança de cura ou alívio.

Não se trata de um crime, antes dum dever, de um verdadeiro acto de amor, de pura não-violência.


***


Suicídio é o acto voluntário pelo qual o ser humano põe termo à sua vida. A apreciação moral e ética deste, varia em função do tempo e espaço.

Existem e existiram ordenamentos jurídicos em que a tentativa de suicídio é e era punida pelo direito criminal.

Este é um problema que respeita à liberdade individual. Se um ser humano considera intolerável o sofrimento físico ou psicológico a que está sujeito, não tendo quaisquer esperanças de alterar o rumo dos acontecimentos, e decide abandonar esta vida, não há juízo de valor que legitimamente possa censurar aquela liberdade.


***


A morte não existe para o ribeiro de montanha que seca no Verão quente quando já não há neve para o alimentar.

As águas correm continuamente para o oceano e deste para os céus e dos céus para os montes e vales e para elas não há morte porque se limitam a ser, a fluir.

A maior parte do mundo vive a negar a morte ou por ela aterrorizado. No entanto, tudo caminha nessa direcção, a maior das certezas.


***


O ser humano confrontado com a sua morte, recusa-a, revolta-se, faz acordos absurdos com Deus, deprime-se, aceita-a.

Teme a dor física crescente, o sofrimento psicológico, a indignidade, a separação do seu universo afectivo e material. Pede prazo para dar à vida um sentido que desconhece e que nunca cumpriu ou tentou cumprir.

Não queremos morrer. Queremos atingir Deus, o topo da carreira profissional, a paz, mais prazer, um estado de felicidade estável, ver os filhos criados, os nossos em segurança. Não queremos perder a individualidade, ver o ego ser sujeito à extinção.


***


Morte e amor estão interminavelmente ligados. Morrendo para o passado, nascemos para a vida eterna.

“O amor é forte como a morte”.

Para amar temos de morrer para as impressões e imagens que armazenámos na mente.

O amor deve existir sem contrapartida.

Uma árvore, um animal, um rosto, um corpo. O acto sexual não é em regra amor. E, não o é, enquanto fruto do desejo, que é continuidade, pensamento. O sexo é sensibilidade, no sentido de sensualidade. É prazer.

Pode e não ser amor. Pensar nele é volúpia, sensualidade. Praticá-lo de forma espontânea, intensamente, com paixão, no esquecimento de si como individualidade e na plenitude do infinito e da eternidade dum cérebro silencioso, é amor.

O amor, que é espontâneo, gratuito, indiscriminado, que não tem qualquer motivo, que não é desejo ou prazer fruto do pensamento, não pode coexistir com o sofrimento. Onde há sofrimento, não está a verdade, a beleza e o amor, que não é supremo ou terreno – mais uma das múltiplas divisões da mente.


***


As disciplinas meditacionais são torturantes e como todo o esforço para vir a ser, só produzem mais dor, mais intranquilidade, insatisfação e insegurança.

Meditar não é cumprir um programa espiritual, não se compadece com retiros, não tem horas marcadas. Não é um procedimento racional que visa atingir uma verdade específica. É atenção global e constante de todas as ocasiões sejam elas quais forem.

Implica solidão, a libertação do conhecido, a extinção da dor, para que o novo, o desconhecido surja.

Na atenção há liberdade. Não há juízos ou pré-determinações acerca de nós ou dos outros. Há quietude, pois o pensamento tende a parar espontaneamente.

Não há um método para se ficar atento.

É um intenso saber olhar, escutar, sentir, que se constrói imperceptivalmente, jornada após jornada.

A observação é pura percepção e exclui qualquer tipo de raciocínio, análise ou dedução lógica. Exclui a “visão” que se estrutura num sistema filosófico, numa crença, em experiências passadas, pressupõe liberdade e inocência, morte e renascimento, é acção imediata.

Quando interpretamos o que vemos, deixamos de ver o que é, para vermos o que os nossos condicionamentos e experiências passadas querem ou permitem ver. Em vez do novo, observamos o velho modificado.

Se os sentidos estão plenamente actuantes e o cérebro atingiu a quietude pela consciência de si próprio, a observação é clara e límpida; não deturpa ou distorce a realidade.

O pedaço de corda é real, mas a serpente que vemos ao crepúsculo no seu lugar é irreal.


***


Não é por ter pensamentos felizes que somos felizes. A felicidade só existe quando não pensamos nisso.

Há uma verdadeira desventura no desejo de ser feliz.


***


AFORISMOS E REFLEXÕES BREVES XI


***


Amar é voar sobre um oceano de liberdade mútua.


***


Será necessária coragem para afirmar a verdade?

Os aduladores são como as víboras, que saem quando o Sol aquece a terra e se escondem aquando das intempéries.


***


Os relacionamentos geram quase sempre padecimento porque esperamos que os outros ajam não segundo as suas próprias convicções, mas segundo as nossas. Queremos que se coadunem com as nossas motivações.

Se abandonarmos estas exigências egoístas cessa a dor. Mas, evitar os relacionamentos para atingir a paz é uma fuga, e como tal, também fonte de sofrimento.

O relacionamento estrutura-se nas ideias reciprocamente formadas pelos relacionados.


***


O afecto é um fenómeno energético que se produz na mente superficial ou profunda com eventuais repercussões orgânicas, por via de um estímulo, de manifestação exterior ou até interior. Prazer e sofrimento são encarados como as suas grandes divisões. A afinidade pode ser física ou mental, mas constitui-se em regra, como atracção mútua, e a afectividade é mais do que o somatório das emoções e sentimentos.


***


Devemos libertar-nos da obstipação emocional. Temos de expressar os nossos sentimentos sejam eles quais forem. Mostrando quem realmente somos ao nível emocional, sem nos preocuparmos com o desagrado ou aprovação daqueles a quem nos expomos, acabamos por destruir as manifestações psicopatológicas que surgem pela hipocrisia da contenção sentimental forçada.


***


É fundamental morrer para o passado. Há os traumas, os recalcamentos, as sublimações, os complexos de inferioridade, os sentimentos de culpa. Há que os escutar sem desesperar até que se desvaneçam ou esmoreçam.


***


A fantasia é ilusão; deturpa a realidade. Queremos ter prestígio, ser conhecidos e reconhecidos em vida e na morte. Procuramos o poder em todas as esquinas que cruzamos, em todos os locais que frequentamos. Sonhamos ser isto ou aquilo, um maestro famoso, político eminente, guerreiro valoroso, artista ou santo. Sonhamos que o mundo se prostra aos nossos pés, tanto, que as estrelas se curvam para nos beijarem e o Sol nasce por nossa secreta vontade. Quem é que não quer ser Deus? Quem é que não sonhou com a absoluta liberdade? Quem é que no seu pranto não iludiu o sono para imaginar a ascensão do ser à imortalidade? O imaginário é-nos caro, é o sopro de alívio do sofrimento, o último reduto do pensamento. Sonhamos para amenizar a dor que gira, parte e retorna, tal fiel animal, que espoliado dum sentir próprio, maltratado e subjugado não abandona seu dono. Somos os mestres do sofrimento psicológico, mestres e aprendizes, locadores e locatários, administradores e administrados. Somos pensamento, somos sofrimento, defuntos numa vida de morte anunciada.

Queremos sempre prolongar o prazer, fazer cessar a dor, encetar uma fuga ao tormento. A fuga do que é, do que ocorre, é um lamento de que ninguém se compadece, somente nós, nessa autocompaixão destrutiva e grito de solidão que não fenece. Mas, estamos vivos nas células que se comprimem num universo imaginário, que dia após dia, tece e é tecido por fio ensarilhado. Estamos vivos numa vida encenada, interpretada e comparada. Estamos vivos na morte, que em crianças e com o “eu”, connosco nasceu.

As águas correm cristalinas na pequena queda junto à barragem, as nuvens são sempre diferentes no céu azul, e os pássaros cantam diferenças ao sabor da aragem. A truta grande e velha do bloco de granito submerso está hoje quieta, tão imóvel quanto a corrente o permite. Mais tarde, cansar-se-á da imobilidade, já que o descanso nem sempre dá tranquilidade, e virá à superfície colher o alimento móvel, sempre com gestos rápidos e fugazes, novos, não estudados. E eu? Faço projectos, conjecturo feitos, iludo os sentidos.


***


Inteligência não é conhecimento, não é pensamento, mas sabedoria. É o discernimento que nasce do silêncio e que nos permite de forma imediata perceber a realidade, separar o trigo do joio, a verdade do falso. É ler o que não está escrito, ouvir o que não foi dito, ver o que não é visível. É observação, percepção pura, no seu mais rigoroso sentido. Não é lógica ou razão, cultura acumulada ou tradição. É uma intuição que emerge do vazio.


***


Este é o planeta dos papagaios engravatados. Uma gravata e um monte de citações alheias fazem dum simples oligofrénico um catedrático.


***


A consciência é formada pelo pensamento e seus resultados, bem como pelas nossas sensações e conhecemos-lhe vários estados:

- O sono, alimentado por sonhos, momento em que o contacto com o mundo exterior é cortado, criando o cérebro os mais diversos elementos que compõem uma nova realidade, um novo universo;

- O sono profundo, lugar de repouso por excelência, onde deixam de existir anseios e sonhos e nada sabemos ou sentimos;

- Ao despertar, um momentâneo estado de libertação de todos os pensamentos com a inerente felicidade que daí advém;

- O estado de vigília.

No momento do despertar há em regra ausência do pensamento. É este estado que devemos buscar com a observação continuada de todos os recessos da mente.


***


Na cidade grande, os homens limitam a sua vida, à carreira e às obrigações profissionais.

Os nossos dias foram passados a caminhar para o emprego em transportes incómodos, sempre acompanhados por gente sonolenta e mal-encarada, gente que abomina as tarefas que lhes estão destinadas. Uma contenda durável por ascensões, com as inerentes tramas, executando tarefas que só muito raramente nos satisfizeram.

Nos escassos tempos livres vivemos enclausurados em paredes de betão: em casa presos a programas televisivos supérfluos, com os filhos entregues às novas tecnologias; nos cafés, embevecidos por conversas fúteis; nos centros comerciais, desejando os produtos da moda. Trágico…


***


Este é um mundo de rótulos, inscrições, denominações, de clubes, associações, grémios, de religiões, crenças, fé, doutrinas e devoções, de facções políticas, partidos e seitas. Cristãos, muçulmanos, budistas, hindus, democratas, comunistas, portugueses, chineses. Necessitamos de companhia física e nas ideias, de beneplácito e assentimento. Tememos ficar sós e quando acompanhados assassinamos com a crueldade e impiedade que só aos humanos é reconhecida, em nome de deus, da religião, do estúpido nacionalismo, da revolução e de todos os partidarismos.

Sem rótulos ou etiquetas definidoras estaremos a um passo da liberdade, que só os rios, as árvores e as aves conhecem, desopressão onde a violência é totalmente desconhecida.


***


O ciúme prende-se com o sentimento de posse. Não queremos que outrem desfrute do nosso amor, amizade, afeição.

No ciúme, convertemos os outros em coisas, em bens susceptíveis do gozo do direito de propriedade. Nele, o único amor que existe é o amor-próprio.

Quanto maior o apego à “coisa” amada, maior o sofrimento do que perde ou duvida da fidelidade do seu “objecto”. É corrosivo, e até que o apego se desvaneça, o seu sujeito activo não pára de remoer pensamentos, que em muitos dos casos são meras confabulações.

Libertamo-nos do ciúme, quando nos libertamos dos apegos, e destes pela destruição do ávido “ego”. A reflexão não nos alivia ou liberta. Apenas nos vai dizendo, que não há nada que o justifique. E quanto mais o repetimos, mais repetimos os pensamentos que em círculo obsessivo assolam e absorvem o cérebro.


***


O amor à primeira vista é consequência da visão de um corpo sexualmente desejado.


***


A avareza é uma doença crónica de todos os que pensam conseguir viver para todo o sempre, apegados às suas riquezas.

A prodigalidade é uma doença aguda dos que se julgam portadores de patologia crónica letal, e vivem como se o dia de amanhã fosse o da sua morte.


***


Um país onde se verifica a lentidão da justiça torna a pena inútil.


***


O ignorante tem por hábito apoiar-se na ponta dos pés, tal bailarina. Nessa posição, manter-se-á apenas por breves momentos.

Tem também o hábito e a necessidade de se sentar nos lugares onde pode ser visto e ouvido.

Por seu turno, o sábio mantém-se assente na totalidade da palma dos pés. Mesmo que o cansaço o domine, suportará essa posição por longas horas.

Por outro lado, senta-se nos últimos lugares, onde tudo pode ver e ouvir, sem que seja visto ou ouvido.


***


Quem é Deus?

Qual Deus?

O que tu mesmo criaste!

Segundo o Génesis, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança.

Precisamos de corrigir as Escrituras:

O homem criou Deus à sua imagem e pede-lhe com constância o que em regra conseguiria obter, não fora a sua preguiça.


***


Bernard Shaw disse que “a democracia é apenas a substituição de alguns corruptos por muitos incompetentes”.

Não é bem o que tenho vindo a assistir: a democracia é a substituição de uma meia dúzia de corruptos, por milhares deles, que para maior infortúnio são também incompetentes e ignorantes.


***


A celebridade é uma ilusão. Al Capone e Saddam Hussein, são mais célebres que Gandhi e do que a Madre Teresa de Calcutá.

É preferível viver na obscuridade.


***


Falamos de amor, de amizade.

São tantos os amigos de que parecemos dispor. Mas, a regra é a unilateralidade, ou seja, em verdade e com rigor, só um é amigo do outro. Este, ou é um manipulador ou alguém que se aproveita das acções e sentimentos gratuitos do outro, que é crédulo e inocente.

O amor no mundo é essencialmente amor-próprio. Se o rico tem muitos parentes, o poderoso tem muitos amigos.


***


O sexo, no seu silêncio quase místico não se compadece com estúpidas reflexões.


***


A corrupção, o compadrio e o aproveitamento próprio são as regras desta sociedade falida que se apregoa moralista e justa, mas é imoral, degradada e injusta. Aplaudem-se pedófilos na praça pública, exaltam-se corruptos e assassinos, a quem se prestam homenagens vigorosas. É de todo normal, louvável e em última instância, justificável, que chefes de estado de países ditos democráticos e desenvolvidos, recebam com pompa e circunstância, outros altos dirigentes, verdadeiros homicidas e ladrões enriquecidos à custa da miséria, da fome e ausência de todos os cuidados primários das populações que governam, usufruindo ainda frequentemente dos dividendos por eles ilegitimamente obtidos, em festas, comemorações e recepções repugnantes. E ninguém tem a coragem de os tratar pelo seu verdadeiro nome: criminosos da humanidade.


***


Há fome, miséria, angústia, morte provocada e todos os inúmeros problemas existenciais que assolam a humanidade.

A justiça é uma ficção, tal como a igualdade dos cidadãos perante a lei. As Constituições políticas dos estados afirmam-no, a realidade nega-o.


***


No nosso tempo grassa a incompetência. Os especialistas, médicos, advogados, entre tantos outros, ocupam-se com trivialidades, correm mais do que a própria ganância, de um lado para outro, mais parecendo baratas tontas do que seres humanos.

Estamos minados de doutores analfabetos, seres despidos de sabedoria e com parcos conhecimentos.

Gentis com os poderosos, negligentes e desinteressados com os desvalidos, fedem de tanta malvadez, incúria e avidez.

Nada aproveitam da vida. Estão afastados da beleza, das experiências gratificantes, da gratuitidade do amor. Envelhecem como o boi no cercado ou como suínos em período de invernada, gordos e anafados, de carne pútrida, não obstante tenham cangas ornadas com pedrarias raras.


***


Os nossos cérebros têm amontoado uma quantidade imensa de velhos objectos, que não são propriamente propriedade de um antiquário, mas peças indiscriminadamente armazenadas em prateleiras desorganizadas e empoeiradas de um ferro-velho.

Os resquícios do passado aglomeram-se, confundem-se e fortalecem-se em colisões contínuas, fruto do pensamento caótico e desordenado. Toda esta actividade embota os sentidos, inviabilizando a percepção da vida no seu contínuo fluir, e da sua beleza própria.

Se queremos uma mente lúcida, aberta ao mundo, à integridade, é fundamental proceder à “limpeza” do cérebro, e de todos os condicionamentos e pensamentos obnubiladores. É essencial entender que a liberdade, a não-dependência, é o único meio de aceder ao Todo, e que a purificação do cérebro não poderá nunca ser obra de práticas dominadas pelo esforço com a sua consequência óbvia, que é o mecanismo do recalcamento.


***


Respeito as prostitutas na sua verdade. Atente-se que contrariamente ao que se afirma, nada vendem, já que o corpo mantém a sua integridade física e individualidade; limitam-se antes, a prestar um serviço bastas vezes valioso, a homens medíocres.

Não respeito as mulheres que prestam um serviço em troca de favores, e estas, são indubitavelmente “cem vezes” em maior número que aquelas.

Também as não respeito quando trocam o serviço por “amor”, sendo provavelmente hoje, em menor número das que o permutam por favores.


***


O cérebro é um dispositivo eléctrico que gera todas as nossas sensações, sentimentos, pensamentos e acções.

O cérebro não se limita a manter-nos conscientes do meio envolvente. Pelo pensamento constrói o nosso próprio mundo.

O mundo parece ser um conjunto de seres, objectos, formas, cores, odores e sons. No entanto, o que realmente existe são raios de luz, ondas de som, átomos e moléculas em vibração e em contacto com os nossos corpos. Caso tivéssemos uma visão apropriada para o percepcionar, veríamos uma cena em que tudo está em interacção, tal como num quadro em que as formas se esbatem umas nas outras criando unidade. 


***


Tenho uma tendência irresistível, que provavelmente pecará por excesso, sendo assim um defeito: a de buscar concentrar em poucas frases o que os verborreicos não exprimem em centenas de páginas.


***


O homem perfeito usa a sua mente como um espelho.

Ela nada aprisiona e nada recusa.

Recebe mas não conserva.


***


A sociedade ocidental estrutura-se nos princípios do cristianismo, princípios cada vez mais ignorados no dia-a-dia. Nada que nos espante; desde o início que foi assim.

Vivemos mergulhados no egoísmo, no esquecimento dos outros. Riqueza e pobreza. Quantos homens não têm como viver? 

Os pobres violentamente espezinhados numa vida a que não é atribuído valor, desde que nascem e até ao morrer.

Vivemos numa sociedade consumista. É preciso ter e não ser, dizem os que atraiçoam a palavra que apregoam. Importantes são os fatos que vestem, as mansões onde habitam, os carros que guiam, os amores de que se vangloriam, a publicidade de que beneficiam.

Mas são cristãos, dizem. Dispensaram Satanás.

Cristãos odiosos e hediondos, personagens de mentira e hipocrisia, anticristos.


***


Platão é o filósofo que mais admiro. E é o meu preferido por ter sido discípulo de Sócrates, que tal como Jesus e Buda não precisaram de ler ou escrever para serem sábios.


***


“Não sou esperto nem sou bruto

Nem bem nem mal educado

Sou simplesmente o produto

Do meio onde fui criado.”

António Aleixo

Quem devemos julgar? A doença ou o enfermo? 


***


No século XVII o Padre António Vieira escrevia:

"Não são ladrões apenas os que cortam as bolsas.

Os ladrões que mais merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e as legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, pela manha ou pela força, roubam e despojam os povos.

Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam correndo risco, estes furtam sem temor nem perigo.

Os outros, se furtam, são enforcados; mas estes furtam e enforcam."

Um Vieira bem actual nas suas reflexões sobre a justiça que se quer cega, mas que é zarolha.


***


A verdade é como a poesia, que alguns odeiam, a outros aborrece e que a maioria ignora.


***


Diz-se que os dois dias mais importantes da nossa vida são o dia em que nascemos e o dia em que descobrimos o nosso verdadeiro Eu.

Mas o único e verdadeiro aniversário de um ser humano é quando ele penetra o seu coração, encontrando o Si, que transcende o nascimento e a morte.


***


No dia do aniversário devemos lamentar a nossa entrada neste mundo.

Celebrar o dia de anos é o mesmo que regozijar-se com um cadáver, preparando-o e embelezando-o para depois o cremar ou sepultar.

Investigar o próprio Si, no âmago do seu coração, dissolvendo-se nele integralmente, é sabedoria.


***


A boca da maioria dos políticos, quando se abre, fede a túmulo.


***