O PENSADOR

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RODIN

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

BUDISMO ZEN – ENSINAMENTOS ZEN – XINXIN MING

 

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O Zen tem as suas origens nos ensinamentos de Buda – Gautama Siddharta – que terá nascido no ano de 556 a.C. e falecido em 486.

O Budismo é mais uma filosofia do que religião.

Não admite a existência de uma alma imortal como no Cristianismo e a existência de um Deus omnipotente.

O Budismo ensina que é possível ao homem a libertação do carma e com esta, a libertação do ciclo interminável de renascimentos o que não se trata de um dogma que obste à prática do Zen por quem nele se não reveja.


Existem dois veículos:

O Grande Veículo – “Maiana” – e o Pequeno Veículo – “Hinaiama”.

O Ch´an – chinês – e o Zen – japonês – integram o Grande Veículo. Atente-se que Zen é o nome que o Budismo adoptou no Japão quando para aí foi levado no século XII.

O budismo chinês desenvolveu-se na dinastia T´ang, entre o século VII e X d.C., depois de um monge indiano de nome Bodhidharma, falecido no ano de 534, aí ter chegado. Bodhidharma é considerado o primeiro Patriarca chinês. Hui-K´o foi o segundo e Seng-T´san, falecido em 606, o terceiro – é a ele que se atribui o poema editado infra.

A partir do momento em que foi designado o sexto patriarca começaram a surgir inúmeras divergências na doutrina Zen, com métodos contraditórios, e ensinamentos divergentes na sua essência, nomeadamente os que conduziam os monges pelo caminho da iluminação progressiva ou súbita.

O pai do Zen no Japão foi Yosai falecido no ano de 1215. 


O Zen não é uma religião nem propriamente uma filosofia. É uma mundividência alheia ao pensamento dualista ocidental, um “caminho” de libertação, se é que a este se pode aceder por um qualquer trajecto, uma apreensão da realidade tal qual ela é, no seu momento de eternidade: o agora. Efectivamente, o Zen ensina-nos a usufruir do momento presente e de que existe uma realidade subjacente à unidade.

Tenha-se em consideração que os orientais tendem a encarar a intuição, a meditação e a experiência mística como modos válidos de aquisição do conhecimento. Não dependem, como nós ocidentais, do raciocínio e da investigação crítica.


O “Xinxin Ming” é o nome chinês de um poema conhecido como o mais antigo texto Zen, provavelmente escrito pelo Terceiro Patriarca Seng-T´san no século VI. Talvez o mais importante ensinamento escrito de todo o Budismo Zen.

Existem múltiplas traduções e traduções de traduções, seja do texto em chinês seja em japonês, com títulos diferentes, bem como dúvidas quanto ao autor e data do poema.

Na nossa tradução do francês escolhemos como título a “Fé na Mente Verdadeira”. Esta é perfeita e não tem que ser aperfeiçoada, cabendo a cada um de nós obter a libertação do poder latente dessa mesma Mente, que se encontra oculto.


O “Xinxin Ming” baseia-se tal como o Vedanta no ensinamento da não-dualidade e podemos considerá-lo a “alma” do Zen, que nos propõe o “satori”, a iluminação; iluminação que não é considerada o seu fim derradeiro, mas antes o princípio de uma nova vida.


“Para alcançar a iluminação Zen não é necessário abandonar a vida familiar, o emprego, tornar-se vegetariano, praticar o ascetismo, fugir para um lugar tranquilo e depois entrar numa gruta fantasmagórica do Zen morto para entreter imaginações subjectivas” – Mestre Dahui.


Podemos ilustrar o Zen com uma história que se diz ter acontecido no Pico do Abutre: 

Conta-se que Buda terá um dia mostrado aos seus discípulos uma flor extremamente bela, pedindo-lhes que dissessem algo a seu respeito.

Depois de a observarem em silêncio durante alguns minutos, um dissertou longamente sobre a sua beleza, comparando-a à Criação, outro compôs um poema e o terceiro uma parábola, cada um mais preocupado em agradar pela eloquência do que propriamente pela satisfação contemplativa.

Mahakashyap olhou-a, sorriu e não disse nada.

Ananda, primo e discípulo de Buda,  que era quem tomava notas das palavras do Iluminado, intuiu que Mahakashyap teria entendido o gesto do Mestre e questionou-o quanto ao seu significado.

Ele limitou-se a mostrar-lhe uma flor e nada disse, e Ananda entendeu.


Sem que tenhamos uma interpretação da história, conseguimos reter que a iluminação não depende de qualquer texto dito sagrado nem poderá nunca ser expressa por palavras. 

O conhecimento Zen foi muitas vezes transmitido por intermédio das suas histórias. Aprender o Zen pela prática do Zen, reflectida nas histórias de Mestres, nas vivências reais dos seus praticantes é sabedoria, contrária à estéril erudição.


Nas palavras de Ch´ing-yuan:

“Antes de ter estudado o Zen durante trinta anos, via as montanhas como montanhas, e as águas como as águas. Quando cheguei a um conhecimento mais íntimo, alcancei o ponto em que vi que as montanhas não são montanhas, e as águas não são águas. Mas agora que alcancei a sua essência real, estou tranquilo. Porque é justo que eu veja as montanhas como montanhas, mais uma vez as águas como águas.”


Lien Tzu, foi discípulo do Mestre Lao Chang, relatando sucintamente a sua aprendizagem:

“Depois de o ter servido pelo espaço de três anos, a minha mente não se atrevia a reflectir sobre o certo e o errado, os meus lábios não se atreviam a falar de lucros e de perdas. Então, pela primeira vez, o meu Mestre concedeu-me um olhar – e isso foi tudo.

Ao fim de cinco anos houvera uma mudança; a minha mente reflectia sobre o certo e o errado, e os meus lábios falavam de lucros e perdas. Então pela primeira vez, afrouxou a severidade do seu semblante e sorriu.

Ao fim de sete anos, houve outra mudança. Deixei que a minha mente pensasse o que lhe aprouvesse, e ela deixou de se preocupar com o certo e o errado. Deixei que os meus lábios pronunciassem o que lhes apetecesse, mas eles deixaram de falar em lucros e perdas. Então, finalmente, o meu Mestre conduziu-me a um lugar sobre a esteira, a seu lado.

Ao fim de nove anos, a minha mente soltou as rédeas às suas reflexões, a minha boca deu livre passagem ao seu discurso. De certo e errado, de lucros e perdas, não tinha eu conhecimento, tanto no que a mim se referia como no que dizia respeito aos outros. O interno e o externo tinham-se fundido na unidade. Daí em diante, não havia já distinção entre olho e ouvido, ouvido e nariz, nariz e boca: todos eram o mesmo. A minha mente estava gelada, o meu corpo dissolvido, carne e ossos fundidos numa só substância. Não tinha a menor consciência daquilo sobre que o meu corpo repousava, ou do que havia sobre os meus pés. Era transportado para um lado e outro, na asa do vento, como palha seca ou folhas caindo de uma árvore. Em verdade, não sabia se o vento me cavalgava ou se era eu que cavalgava o vento.”


Alguns Mestres encararam o Zen de uma forma aparentemente simples.

Lin-Chi disse:

“Quando chegar a altura de te vestires, veste-te. Quando tiveres de andar, anda. Não tenhas a preocupação de te tornar num Buda: sê apenas tu mesmo.”

Também Kokusen se referia ao Zen “como o acto de empilhar pedras e recolher lixo.”

Mestre Yuansou disse: “No Budismo não existe nada que exiga esforço. Tudo nele é normal. Vesti-vos para vos proteger do frio e comei para não ter fome. E é tudo.”


Um discípulo perguntou a um Mestre Zen:

- Qual foi o teu caminho para a Verdade, para o Absoluto?

- Quando como, como; quando repouso, repouso - respondeu o Mestre.

- Mas, Mestre, isso todos nós fazemos, mesmo os que na vida não têm aspirações para além das que os bens materiais alimentam.

- Não, não é como dizes. Essa gente de que falas, quando come tem o seu espírito absorvido por múltiplas questões, por futilidades, e quando dorme, vagueiam no seu cérebro universos imaginários. Por isso, quando comem não se limitam a comer e quando dormem não se limitam a dormir.

Eu, quando estou a comer, estou realmente a comer e quando durmo estou realmente a dormir.

É esse o meu caminho para a Verdade – finalizou o Mestre.


Mestre Foyan costumava perguntar:

“Porque é que vos dirigis a um centro Zen? Deveis seguir a vossa vida por vós próprios sem ouvir o que os outros dizem.”

Não há pois necessidade de rituais para dar os primeiros passos no Zen, muito especialmente os dos mosteiros. Os seus horários rígidos, a sua disciplina, constituem-se como rotina e sofrimento, que por sua vez são a causa directa de um fracassado dispêndio de energia. Os “certificados de iluminação” são papéis levados pelo vento e que devem ser consumidos pelo fogo. A iluminação não se certifica. O “zazen” é uma verdadeira tolice, uma infantilidade. Uma outra perda de energia.


Para Mestre Foyan o “Budismo é um ensinamento muito fácil de compreender e que relativamente aos outros ensinamentos poupa muita energia. No entanto, os mestres antigos contactavam amiúde com pessoas que se encontravam completamente perdidas, tendo-lhes dito para meditar tranquilamente. Na altura este foi um bom conselho, mas os meditantes não compreenderam os motivos que levaram os mestres a fazê-lo. Assim, fecharam os olhos, anularam o corpo e a mente e sentaram-se imóveis à espera da iluminação. 

É precisamente esta a tolice de que vos falei.” 


Mesmo considerando que a iluminação não depende de qualquer texto dito sagrado nem poderá nunca ser expressa por palavras, constatamos que todo o Zen está contido no seu primeiro escrito: o “Xinxin Ming”. 

Quem o entender e praticar estará a um passo da iluminação.

Como disse o Sexto Patriarca Zen: “Aquilo que vos digo não é nenhum segredo. O segredo está dentro de vós”.

Não tendes tempo a perder. 


O Zen é a essência do Budismo

A liberdade interior é a essência do Zen


A FÉ NA MENTE VERDADEIRA – XINXIN MING


Não há nada de complicado na grande Via,

Mas é essencial evitar preferir. 

Libertos do amor e do ódio

Ela aparecerá com todo o seu esplendor. 


Se nos afastarmos dela pela espessura de um cabelo

Será como um imenso precipício entre o céu e a terra. 

Se a quisermos atingir

Não podemos estar nem a favor nem contra nada. 


O conflito entre o a favor e o contra

É a autêntica moléstia da alma. 

Se não divisarmos a essência das coisas


Afadigar-nos-emos em vão para serenar o nosso espírito.


Tão perfeita como a vastidão do espaço,

Nada lhe falta, nada está fora dela.

Acolhendo e repelindo as coisas

Não somos como devemos ser.


Não intentemos alcançar o mundo submetido à causalidade.

Não adiramos a uma inanidade que exclua os fenómenos.

Se o espírito permanecer em paz no Um

As visões dualistas irão desaparecer por si próprias.


Quando a actividade pára e a passividade impera,

Esta, por sua vez, torna-se mais activa.

Permanecendo no movimento ou na quietude

Como é que poderemos conhecer o Um?


Se não compreendermos a unidade da Via

O movimento e a quietude irão conduzir-nos ao fracasso.

Se nos apartarmos do fenómeno, ele absorver-nos-á,

Se perseguirmos o vazio, virar-lhe-emos as costas.


Quanto mais falarmos e racionalizarmos,

Mais nos desviaremos da Via.

Suprimindo a linguagem e a reflexão

Não existirá lugar algum onde não possamos ir.


Regressando à raiz obteremos o sentido, 

Correndo atrás das aparências afastar-nos-emos do princípio.

Se por um breve instante nos olharmos introspectivamente

Ultrapassaremos o vazio das coisas deste mundo.


Se este mundo nos parece sujeito a transformações

É consequência das nossas visões falsas.

Não é necessário buscar a verdade

Basta terminar com as falsas visões.


Não nos apeguemos às visões dualistas,

Evitemos com todo o cuidado perfilhá-las. 

Caso exista o menor vestígio do sim e do não

O espírito perder-se-á num labirinto de complicações.


A dualidade existe como consequência da unidade,

Mas não nos apeguemos a essa unidade.

Quando o espírito se unifica sem se apegar ao Um,

As dez mil coisas são inofensivas.


Se uma coisa não nos ofender é uma coisa inexistente,

Se nada se produzir não haverá espírito.

O sujeito desaparece atrás do objecto.

O objecto desaparece com o sujeito.


O objecto é pelo sujeito que é objecto.

O sujeito é pelo objecto que é sujeito.

Se desejarmos saber o que é que eles são na sua ilusória dualidade,

Saberemos que não são nada para além do que um vazio.


Neste vazio único os dois identificam-se

E cada um contém em si as dez mil coisas.

Não devemos fazer distinção entre o subtil e o grosseiro.

Como poderemos tomar partido disto contra aquilo?


A essência da grande Via é vasta,

Nela não há nada fácil nem difícil.

As visões mesquinhas são hesitantes.

Quanto mais depressa pensamos que vamos mais lentamente o fazemos.


Apegando-nos à grande Via aniquilamos toda a dimensão

E comprometemo-nos com um caminho sem saída.

Se a deixarmos ir as coisas seguirão a sua própria natureza.

Em essência nada se move nem permanece no mesmo lugar.


Obedecendo à natureza das coisas estaremos de acordo com a Via,

Estaremos livres e seremos libertados de todo o tormento.

Quando os nossos pensamentos estão acorrentados viramos as costas à verdade

E mergulhamos no desassossego.


O desassossego fatiga a alma.

Para quê fugir disto e acolher aquilo?

Se desejarmos adoptar o trilho do Veículo Único

Não poderemos amparar nenhum preconceito contra os objectos dos seis sentidos.


Quando deixarmos de os detestar

Então atingiremos a iluminação.

O sábio perdura sem fazer nada,

O louco enreda-se a si mesmo.


As coisas não conhecem distinções,

Nascem do nosso apego.

Apoderarmo-nos do seu espírito para nos servirmos dele

Não será o mais grave de todos os desatinos?


A ilusão produz quer a serenidade quer o transtorno.

A iluminação destrói todo o apego bem como toda a aversão.

Todas as oposições

São fruto das nossas reflexões.


Visões em sonho, flores do ar,

Porque é que nos devemos dar ao trabalho de as proteger?

O ganho e a perda, o verdadeiro e o falso,

Que desapareçam uma vez por todas.


Se o olho não dorme,

Os sonhos irão desvanecer-se por si próprios.

Se o espírito não se perder nas diversidades

As dez mil coisas já não serão mais do que uma identidade única.


Quando compreendermos o mistério das coisas na sua identidade única

Esqueceremos o mundo da causalidade.

Quando todas as coisas forem consideradas com equanimidade

Regressarão à sua natureza original.


Não procuremos o porquê das coisas

Porque iremos precipitar-nos no domínio das comparações.

Quando a paragem se põe em movimento deixa de haver movimento,

Quando o movimento pára, deixa de haver paragem.


As fronteiras do derradeiro

Não são guardadas nem por leis nem por regulamentos.

Se o espírito estiver harmoniosamente unido à identidade,

Toda a actividade se apaziguará nele.


Quando afastarmos as dúvidas,

A fé verdadeira reaparecerá confirmada e reerguida.

Já nada permanece,

Nada de que seja necessário recordarmo-nos.


Tudo é vazio, luminoso e radiante por si próprio.

Não fatiguemos as nossas forças espirituais.

O Absoluto não é um lugar mensurável pelo pensamento,

O conhecimento não o pode sondar.


No mundo da verdadeira identidade

Não existe outrem nem si mesmo.

Se desejarmos adequar-nos com ela

Bastar-nos-á dizer: não-dualidade.


Na não-dualidade todas as coisas são idênticas,

Nada há que não esteja contido nela.

Os sábios em toda a parte

Chegaram a esse princípio primordial.


O princípio não tem pressa nem se atrasa.

Um instante é semelhante a milhares de anos,

Nem presente, nem ausente,

No entanto, em toda a parte diante dos nossos olhos.


O infinitamente pequeno é como o infinitamente grande,

No esquecimento total dos objectos.

O infinitamente grande é igual ao infinitamente pequeno,

Quando o olhar já não se apercebe mais de limites.


A existência é a não-existência.

A não-existência é a existência.

Enquanto o não compreendermos

A nossa situação permanecerá insustentável.


Uma coisa é ao mesmo tempo todas as coisas.

Todas as coisas não são senão uma coisa.

Se pudermos compreender isto

Será inútil atormentar-nos quanto ao conhecimento perfeito.


O espírito da fé é não-dualista.

O que é dualista não é o espírito da fé.

Aqui as vias da linguagem param

Pois não existe nem passado, nem presente, nem futuro.


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